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Uma das consignas presentes (mas minoritária) nas manifestações do último dia 15 e, talvez, uma das mais controvertidas diz respeito ao retorno da ditadura militar para combater a corrupção. Existe no imaginário popular a ideia de que todos os políticos são corruptos e somente os militares, com braços fortes, poderiam salvar o Brasil da roubalheira que nos assola.

É digno que diante dos bilhões desviados da Petrobras, com denúncias que atingem a grande maioria dos partidos tradicionais, pensemos em alternativas radicais para mudar os rumos do país. No entanto, antes de levantar cartazes e aderir à causa de soluções mágicas, é preciso recordar como era a administração militar e, mais ainda, verificar se, de fato, um novo regime autoritário seria a solução para acabar com a corrupção no país.

Em primeiro lugar, é preciso refletir sobre quem governa durante a ditadura. No imaginário popular está presente que não existem políticos nesse período, como se a administração pública ficasse a cargo exclusivamente de “pessoas de bem” com fardas, cassetetes e instrumentos de tortura. Ora, não só existem políticos como, a título de exemplo, o conhecido Paulo Maluf – aquele do “rouba, mas faz” – foi prefeito de São Paulo nomeado pelos militares entre 1969 e 1971. Grande parte dos velhos barões da política atual, como Sarney e Maluf, é cria do período sombrio que se iniciou em 1964.

Dos 1.153 processos de investigação de corrupção entre 1968 e 1973, os militares resolveram arquivar mais de mil para não comprometer o governo

O próprio termo “político” é repleto de indagações. Quem faz parte da categoria “políticos” senão pessoas com famílias, que comem e bebem, se divertem e andam pelas ruas? São pessoas comuns que, ao tomar contato com a estrutura corrupta e corruptível do sistema político brasileiro, encontram ali um meio de ascensão econômica, sejam elas garis, operários, professores ou militares. Todos estão suscetíveis à corrupção enquanto a estrutura se mantiver a mesma.

Outro ponto importante sobre a corrupção diz respeito à relação entre empresas privadas e Estado, atualmente simbolizada pela denúncia de propinas de empreiteiras pagas a partidos políticos por facilitação em contratos com a Petrobras. Como os militares lidavam com essa relação durante a ditadura? Da pior maneira possível. Cabe lembrar que esse período foi marcado por grandes privatizações, aumento significativo da dívida externa e abertura do país ao capital estrangeiro.

As denúncias de desvios e desmandos são inúmeras. Os jornais Movimento e Coojornal denunciaram, em 1978, o favorecimento da empresa Jary Florestal e Agropecuária envolvendo Golbery do Couto e Silva e, diretamente, o secretário particular do presidente Geisel, Heitor Ferreira. O presidente da General Eletric, Thomas Smiley, disse que a empresa pagou suborno à direção da Rede Ferroviária Federal para a aquisição de 195 vagões de trens. A empresa Agropecuária Capemi Indústria e Comércio Ltda, fundada e dirigida por militares, foi contratada para extrair e comercializar madeira da região do Lago de Tucuruí. Faliu em 1983, após ter conseguido desmatar apenas 10% da área que havia sido contratada. Metade dos 349 mil m³ de madeira extraída desapareceu. O diretor-presidente da empresa, Fernando José Pessoa, e o representante do governo federal, Roberto Amaral, desviaram cerca de US$ 10 milhões.

Existem ainda denúncias de inúmeras fraudes e maquiagens bancárias, superfaturamentos, cobranças indevidas, irregularidades administrativas e favorecimentos de empresas aliadas ao regime militar. Infelizmente muitas dessas denúncias jamais foram investigadas e dificilmente o serão no futuro. Dos 1.153 processos de investigação de corrupção entre 1968 e 1973, os militares resolveram arquivar mais de mil para não comprometer o governo. Como a ditadura militar foi marcada, dentre outras coisas, por não haver controle social, por uma imprensa controlada e proibição de manifestações, tudo leva a crer que a corrupção foi muito maior do que imaginamos.

Nesse sentido, antes de levantar uma bandeira para solucionar o problema da corrupção, é preciso investigar todas as nuances daquilo que nos vendem. Em tempos de acirramento das posições políticas, somos tragados pela exigência de posicionamentos imediatos, sem muita reflexão. No entanto, quando se trata de encontrar soluções políticas para o Brasil, é necessário criticidade e sensatez. Caso contrário, corremos o risco de sermos surpreendidos pelo Cavalo de Troia brasileiro – uma solução aparentemente ideal para nossos propósitos, mas que esconde surpresas terríveis no seu interior.

Thiago Bagatin é professor do curso de Psicologia da PUCPR e presidente do Sindypsi.
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