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A Lei Rouanet tomou conta dos meios de comunicação nos últimos tempos de maneira escandalizada. Tem sido atrelada, de forma equivocada, à polarização política atual. A grande maioria lê, ouve e crê em manchetes que nem sempre prezam pela imparcialidade, tampouco informam a completude dos fatos.

Falemos, então, sobre o que não foi amplamente noticiado acerca da mais recente polêmica: a Operação Boca Livre como uma consequência de investigações antigas do próprio Ministério da Cultura (MinC) e do Ministério Público Federal, iniciadas em 2011. Naquela época, foram congelados e inabilitados os projetos da empresa alvo da operação. Além disso, esse esquema criminoso não tem relação com as problemáticas que há anos vêm sendo apontadas sobre as limitações da lei.

Não é preciso demonizar a Rouanet, mas também não se deve aceitá-la da forma como está hoje

É preciso esclarecer, primeiramente, que o dinheiro da Rouanet não sai dos cofres públicos diretamente. Tampouco a lei tira recursos de outras áreas que alguns julgam “mais importantes” que a cultura. Não é o MinC que escolhe dar dinheiro a este ou aquele projeto; quem decide são as empresas patrocinadoras. A lei não faz restrição para artistas mais ou menos consagrados.

Há, no mínimo, três etapas de avaliação para só depois captar a verba para a realização. Contudo, a maioria dos aprovados não consegue captar. Em 2015, apenas 23,14% dos valores aprovados foram efetivamente captados. A renúncia fiscal correspondente à Lei Rouanet é de aproximadamente 0,48% dos cerca de R$ 270 bilhões que o país deixa de arrecadar com outros benefícios de incentivo fiscal (como aqueles que beneficiam o comércio de cigarros, bebidas, automóveis, sem falar na imunidade fiscal das igrejas).

Em 25 anos de existência, o que se tem há anos noticiado pelas militâncias da cultura e pelo próprio MinC é que a Rouanet apresenta vícios profundos: o fato de serem três mecanismos e só um deles funcionar – o mecenato; o fato de as decisões dos projetos que recebem verba acabarem sempre nas mãos do departamento de marketing das grandes empresas, que priorizam projetos de renome em detrimento de coletivos e artistas independentes e das culturas populares; a concentração da renúncia fiscal na Região Sudeste, entre outros.

O maior problema é que há anos a Rouanet é entendida e tratada como a própria e única política cultural do país quando, na verdade, está muito longe disso. Lei de incentivo não é política cultural, mas instrumento para concretização de uma política para a área, que precisa minimamente atender à extensão da territorialidade de todo um país, bem como da diversidade de suas expressões culturais. A concentração regional e o desequilíbrio no apelo mercadológico para conseguir os recursos desacredita o mecanismo.

Não restam dúvidas de que a lei precisa ser aperfeiçoada e, embora essa reforma exista há seis anos em forma de projeto de lei, a aprovação está parada no Senado. Chama-se Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (ProCultura), resultado de mais de dez anos de intensos debates e estudos sobre como aprimorar a participação do Estado no fomento ao setor cultural, juntamente ao Sistema Nacional de Cultura.

Não é preciso demonizar a Rouanet, mas também não se deve aceitá-la da forma como está hoje. Nesse sentido, a solução mais rápida para isso está na aprovação do ProCultura. Não há motivos para insistir na defesa de um modelo obsoleto e excludente; é necessário lutar por políticas efetivas na área da cultura e, neste momento, em especial, pela aprovação do ProCultura e pela preservação e continuidade do Sistema Nacional de Cultura.

Marcella Souza Carvalho, advogada especialista em Gestão de Projetos Culturais e mestranda em Ciências Humanas, é integrante do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC/MinC) e membro da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB/PR.
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