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Horácio, pensador latino, cunhou a expressão parturient montes, nascetur mus, que numa tradução livre significa a montanha pariu um rato. Aplica-se a todas as coisas pomposamente anunciadas e que na realização produzem uma grande decepção, ou seja, resultado pífio diante da expectativa gerada.

Quando o Enem foi anunciado, com pompa e circunstância, louvamos um dos seus atributos relevantes: a unificação dos conteúdos programáticos. Concomitantemente nos manifestamos que o prazo de cinco meses seria exíguo para um evento dessa magnitude e complexidade. É sujeitar-se a um calendário político-eleitoral, quando pelo menos 12 meses seriam necessários para uma boa logística na prevenção das fraudes, na preparação dos estudantes e, principalmente, na consulta à comunidade acadêmica e civil para a elaboração do programa. Em junho, alegando o curto prazo para a organização, até a experiente Cesgranrio de­­sistiu de participar.

Quando foi anunciado o Enem, muitos de nós, educadores, solicitamos que as provas fossem aplicadas em novembro, pois, em 3 de outubro, os alunos do 3.º ano recém-iniciariam o 4.º bimestre. Quando da eclosão da Gripe A, reiteramos o pedido. Ouvidos moucos, por parte do Inep.

Acabamos de ser atendidos, sim: por vias tortas. Com esforço sobre-humano, em agosto e setembro, a maioria dos vestibulandos passou dentro da sala de aula, em dupla jornada, inclusive sábados e domingos. Venceu-se o programa e quando se anunciou o cancelamento das provas, o clima foi de velório. E por motivos torpes, tão recorrentes em nosso país: desonestidade dos fraudadores e incúria da gestão pública.

Até o momento, suspeita-se de que a quebra do sigilo tenha sido praticada por amadores; o que aumenta a apreensão; e que o prejuízo material foi de R$ 35 milhões. Os 4,1 milhões de candidatos, em sua maioria jovens imberbes, não merecem essa quebra de expectativa, o que leva à frustração e desesperança. "Ah, como dói viver quando falta esperança"; se faz oportuno Manuel Bandeira.

Isto posto, é inaceitável quando uma autoridade do MEC declara na tevê que o aluno terá mais tempo para se preparar. Pergunto, e propositadamente não tomo como exemplo um fato positivo: se você tem uma cirurgia marcada para o dia 3 de outubro, aceitaria de bom grado que, na véspera, o médico, alegando o furto do material cirúrgico, transferisse para novembro?

O outro rato parido pela montanha (Inep) é o conteúdo programático do Enem 2009, que é excessivo e merece ser mais bem descrito e enxuto. Ficou genérico demais. A grade curricular poderia ser reduzida em 20% a 30%, eliminando-se subitens de todos os capítulos.

Amiúde, debatemos com os professores das diversas disciplinas, os quais são unânimes em afirmar que há sobrecarga de conteúdos. Um detalhamento mais primoroso do programa do Enem evita que o professor ministre temas complexos e desmotivantes, que não servem de pré-requisitos e que normalmente serão reapresentados na faculdade. Sobre essa proposta e apresentando sugestões concretas, elaboramos um documento que foi protocolado no Inep pela Federação das Escolas Particulares.

Pariu-se um terceiro rato: nos simulados e provas produzidos pelo Inep, há erros; poucos, é verdade e alguns enunciados desnecessariamente longuíssimos, quando o candidato dispõe de apenas três minutos para a resolução de cada questão.

No entanto, o que nos pareceu comprometedor foram o simulado e a prova de matemática, pelo excesso de contextualização e aritmética, prescindindo-se de conteúdos mais profundos e maior nível de exigência. Não ignoramos que a matemática; rainha e serva de todas as ciências; tenha escopo prático e utilitário. No entanto, é preponderante que se valorizem os bons fundamentos teóricos da disciplina, uma vez que o Enem, transformado em grandioso processo seletivo, norteia todo o ensino da Educação Básica.

O elevado número de questões contextualizadas na matemática, como em física e química, faz com que a prova do Enem se distancie dos bons vestibulares das principais universidades como USP, UFRJ, Unicamp, UFPR etc. Ou, um exemplo mais eloquente: comparemos as provas anteriores da UTFPR com as do Enem e veremos que há no meio um mar. In medio stat virtus, mais uma vez ensinam os latinos.

Nesses últimos 23 séculos, a matemática helenística foi reverenciada, pois os gregos eram movidos pelo desafio intelectual, pelo prazer de pensar e não apenas pelas aplicações utilitárias.

Jacir J.Venturi é diretor de escola e por 35 anos foi professor do ensino fundamental, médio, pré-vestibulares, da UFPR e da PUCPR

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