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Quando nos deparamos com temas polêmicos, temos várias estratégias, e a fuga poderia ser uma dessas saídas. Mas furtar-me de discutir o ensino domiciliar seria uma estratégia que não combina com os caminhos que escolhi durante os meus anos de estudante ou na formação de formadores. Tenho debruçado meus olhares em artigos, na Constituição e em exemplos do ensino domiciliar pelo mundo afora. Encontramos várias experiências em todos os cantos do mundo, algumas com extremo sucesso e outras que merecem atenção dos órgãos reguladores.

O processo de educação, no meu entendimento, acontece durante toda a vida e em qualquer lugar, enquanto o processo de ensino, na sociedade moderna, foi relegado ao ambiente chamado “escola”. Seria interessante ler a proposição de Carlos Rodrigues Brandão, quando discute ensino e educação, no livro O que é Educação.

De todo fato, é mister admitir que a família deve e precisa ser o espaço em que iniciamos nosso processo ontológico e de conhecimento das nossas potencialidades científicas, em que aprendemos os primeiros ensinamentos e, principalmente, a ética e os valores morais desta sociedade. Se é no conforto da família que aprendemos os elementos sociais que nos tornam humanos e que nos conduzem para conviver em sociedade, qual seria o motivo de essa família também não ser responsável por assumir o compromisso do processo de ensino das linguagens, das ciências naturais e exatas, das tecnologias?

Adotar o ensino domiciliar sem culpa é compreender que vivemos numa sociedade em constante movimentação

O fato recorrente é que apenas algumas famílias podem participar das reuniões na escola; que alguns pais e mães nem sequer conhecem os conteúdos tratados pelos filhos em sala de aula. Se tratamos a partir deste cenário, o ensino domiciliar deve e precisa ser tratado como exceção – afinal, somente podem ter o direito a ensinar no domicílio aqueles que podem garantir o acesso ao conhecimento para as futuras gerações. Como não estamos tratando desse cenário, e como os legisladores já mostraram haver abertura na legislação para tanto, ao Estado caberá a incumbência de fiscalizar.

Apesar de ser formadora de formadores, digo que adotar o ensino domiciliar sem culpa é compreender que vivemos numa sociedade em constante movimentação, que a diversidade de culturas e opções também é um norte para o trabalho. Neste país e no momento atual que vivemos, não existe somente a impunidade e a diferença econômica; estamos plantando sementes de um novo país, que luta pela igualdade e busca a transparência; então, o respeito é com certeza a linha mestre. Nessa toada, existe a possibilidade de termos uma escola pública ou privada com qualidade, que estamos criando estratégias diversas para agregar as nuances dessa nova sociedade. Nós somos fruto dessa escola considerada precária, que conseguiu promover novas discussões. Assim, a falácia dita por alguns pode ser apenas uma percepção da realidade, ou apenas um discurso que querem que as massas assumam.

Os opositores ao ensino domiciliar estão em todos os lados, mas espero que não se mostrem com discurso do esvaziamento da escola, de que quem precisa ensinar são os professores, de que o Estado é responsável pelo processo de ensino. Que amparem seus discursos nos requisitos mínimos que cada família deve possuir, que possam mostrar os inúmeros casos de sucesso que temos na educação brasileira, que ainda consigam fazer florescer como temos avançado nesses anos de república, que somos um país continental e que metodologias e modelos não podem ser copiados, devido à nossa dimensão cultural, social e econômica.

Sim, sou professora, estudei para ajudar na formação das gerações atuais e das futuras, mas meu direito de trabalho acaba quando respeito o direito daquele que quer ir até o ambiente de estudo. E, nesses tempos modernos, “ambiente de estudo” pode ser aí na sua casa, juntos e de forma digital ou analógica. O meu erro foi, por muitos anos, querer fazer aprender um aluno que não queria aprender, fazer participar uma família despreocupada com o processo de aprendizagem do seu filho, de uma comunidade que não percebia que os alunos irão em breve atuar nos campos de trabalho. Hoje, faço sem culpas, sem esperar que todos aprenderão e entenderão; assim, luto diariamente pelo direito da aprendizagem.

Oxalá as famílias assumam seu papel no processo de educação e ensino dos seus filhos!

Dinamara Machado, doutora em Educação, é diretora da Escola Superior de Educação do Centro Universitário Internacional Uninter.
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