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 | Antônio More/Gazeta do Povo
| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

No ano passado houve uma discussão muito grande sobre a reforma do ensino médio, agora uma lei já aprovada e sancionada. Ânimos se acirraram. Escolas de todo o país foram ocupadas por alunos que discordavam do então projeto de lei. Viram-se ações da polícia, discussões nas câmaras legislativas, no Congresso Nacional e no próprio Ministério da Educação.

Eu gostaria de chamar atenção para a relação entre as concepções de ensino médio e a concepção de sociedade que adotamos. O ensino médio atual (antigo) estabelece um ensino médio unificado formado pelas disciplinas clássicas da educação básica, como Português, Matemática, História, entre outras. Há uma pequena parte do currículo que é diversificada, na qual os sistemas de ensino têm alguma liberdade para incluir disciplinas e conteúdos.

Hoje, o ensino médio é o que está entre o ensino fundamental e a universidade, e não algo relevante por si só

A concepção geral desse ensino médio é de ser generalista, aprofundando as discussões e conteúdos estudados no ensino fundamental, de forma que os egressos possam competir por uma vaga na universidade, uma vaga em um curso técnico ou no mercado de trabalho. Há certa concepção de igualdade nesse ensino médio, ou seja, todos os alunos receberiam uma mesma formação e em teoria estariam todos aptos a competir em igualdade naquilo que quisessem seguir. Na prática, entretanto, acaba não funcionando assim. As diferenças entre as pessoas existem, seja por acesso à cultura ou por necessidade de trabalho. E o nosso ensino médio, pela sua carga de conteúdos obrigatórios, parte do princípio de que todos almejam uma formação universitária bacharelesca. O foco do ensino médio se tornou a preparação para os processos seletivos das universidades, como o Enem. O ensino médio é apenas o que está entre o ensino fundamental e a universidade, e não algo relevante por si só. Essa etapa é percebida pela maioria dos alunos como cansativa e desinteressante, como mostram os dados de evasão escolar.

O novo ensino médio estabelece que uma parte do ensino médio seja baseado na Base Nacional de Conteúdos Comuns e que a outra parte seja diversificada de acordo com as opções de cada aluno. Um aspecto importante levantado pelos defensores da proposta é que o ensino médio atual despreza as aptidões e os interesses dos jovens, visto que aos 15 ou 16 anos muitos já teriam preferências entre disciplinas da área de humanas, de exatas ou ensino técnico e, por isso, já estariam aptos a escolher um caminho para se especializar e seguir a sua vida. Não há dúvida de que a possibilidade de o aluno poder escolher cursar as disciplinas com que mais se identifica fará o ensino médio ser menos cansativo e, provavelmente, mais atrativo para os estudantes.

Uma das críticas mais contundentes à nova legislação é que ela tira a autonomia de jovens de famílias pobres na escolha de seu caminho, visto que nem todas as escolas seriam obrigadas a ofertar todos os itinerários acadêmicos. Isso, em teoria, tiraria a chance de um jovem pobre seguir determinado itinerário acadêmico pela falta de oferta e pela falta de meios para o jovem se deslocar até onde esse itinerário seja ofertado. Essa concepção de ensino médio é essencialmente pragmática, visto que estabelecer uma escolha e um caminho para o jovem já o direciona para certa gama de atividades e possibilidades de futuro. Nesse modelo, jovens que optem pela ênfase no ensino técnico provavelmente não terão competência acadêmica para um processo seletivo extremamente acirrado como um curso de Medicina numa universidade federal. E qual jovem acabará optando pelo ensino técnico? Provavelmente os moradores das periferias, a chamada classe C, D e E. Alguns dirão que isso já é uma realidade no ensino médio atual (antigo), visto que os jovens da periferia acabam não tendo mesmo condições de competir em cursos com grande concorrência – o que também é um fato que não se pode negar.

Acredito que a questão maior gire em torno da adoção de uma política utópica, que em teoria ajudaria a reduzir a desigualdade e dar oportunidades a todos, mas que na prática gera um ensino médio ineficiente e inchado. De outro lado, temos uma lei que abraça a ideia de que as pessoas não têm oportunidades iguais e que nem todas precisam seguir o mesmo itinerário de estudos, fazendo com que este se adapte às aptidões pessoais, mas também à capacidade financeira das famílias. Infelizmente, nenhuma das opções me parece boa.

Fabricio Maoski, psicólogo e mestre em Psicologia, é professor de História.
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