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No país da piada pronta, angústias e aflições são crimes de lesa-pátria, daí as gozações em torno do suspense armado antes da divulgação da lista de parlamentares e políticos citados na Operação Lava Jato e prometida há semanas por Rodrigo Janot, procurador-geral da República.

Paráfrase óbvia, quase obrigatória e quase homônima, relaciona-se com o título da peça Esperando Godot (1952), do irlandês francófono Samuel Beckett, marco do teatro do absurdo que poucos viram, menos ainda entenderam e todos usam abundantemente.

Godot promete e não chega, a espera é, em si, o não evento central, acionador de contrassensos, ilógica e disparates. Janot, ao contrário, está sempre presente, atento, figura de proa na arquitetura republicana, cargo máximo do Ministério Público, hoje considerado em muitas partes do mundo como o verdadeiro Quarto Poder.

Justifica-se a demora: denota cuidado, zelo, senso de responsabilidade. A lista é transcendental mesmo antes de conhecidos os nomes que a integram, todos aptos a serem denunciados e depois julgados pelo STF. As pressões são enormes; apesar do segredo que envolve a seleção dos implicados nos processos investigados pela Polícia Federal, alguns nomes escaparam para o noticiário.

A Petrobras não está ameaçada pelos trustes internacionais nem pelo imperialismo ianque; seus algozes são gente nossa

A nominata é naturalmente explosiva: pode alterar a composição do governo, seu esquema de apoio, a escolha dos candidatos à sucessão presidencial e, sobretudo, inúmeras biografias. Algumas armazenadas em sites de busca, outras já publicadas.

A residência de Janot foi arrombada em janeiro, o governo preocupa-se com a sua segurança e a tensão da campanha eleitoral, longe de arrefecer com a posse dos eleitos, aumentou assustadoramente. Sucedem-se brigas entre militantes, o jogo sujo oriundo das torcidas organizadas começa a comprometer o sagrado direito de expressão, a convivência entre contrários e a paz social.

Em represália a um estúpido ato de hostilidade contra o ex-ministro Guido Mantega no lobby de um hospital paulistano onde a sua mulher se trata de um câncer, o ex-presidente Lula convocou a militância a reagir às provocações: pretendia baixar a fervura, só a aumentou. Essa fervura não baixará com veemências dirigidas a ativistas políticos; o momento pede atos de estadistas voltados para sossegar uma sociedade ressentida e perplexa.

A espera por Janot serve para desativar animosidades num ambiente perigosamente volátil, onde tudo funciona como pretexto para radicalizações. Mas serve igualmente para exacerbá-las. Não foi prudente a ideia de convocar um grandioso ato público em defesa da Petrobras para a sexta-feira, 13 de março – exatos 51 anos depois do comício na Central do Brasil, fatídico gatilho para a quartelada que empurrou o país para a trágica ditadura militar.

A estatal brasileira não está ameaçada pelos trustes internacionais nem pelo imperialismo ianque; seus algozes são gente nossa, partidos e prepostos brasileiros que “tascaram” (para usar a linguagem de João Pedro Stédile) um patrimônio nacional que conseguiu sobreviver e prosperar ao longo de 63 anos a despeito das drásticas mudanças de governo.

Esperando Godot é uma vivência pessimista sobre impasses, dolorosas expectativas, desesperança, filha dos horrores da 2.ª Guerra Mundial e da pérfida Guerra Fria que a sucedeu.

Esperando Janot pode ser uma aposta no aperfeiçoamento das instituições democráticas. Sobretudo, na nossa capacidade de julgar e punir com isenção.

Alberto Dines é jornalista.
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