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Felipe Lima

Foram assustadoras as primeiras suspeitas divulgadas com a deflagração da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, sobre cumplicidade entre frigoríficos e fiscais do governo visando venda ilegal de alimentos no país e no exterior. Fechamos a semana em clima de pânico. Carne com papelão. Ácido cancerígeno na salsicha. E por aí foi. As redes sociais se encarregaram de amplificar o show de horrores. Mas nós, jornalistas da chamada imprensa de qualidade, não soubemos separar o joio do trigo. Ficamos reféns da narrativa precipitada da PF. Faltou apuração e edição criteriosa. A Operação Carne Fraca ganhou acordes em lá maior. Foi conduzida com pouco cuidado. Desvios de alguns executivos e funcionários jogaram no lixo a reputação de todas as empresas.

Ex-ministro da Agricultura e presidente da associação que reúne produtores e exportadores de carne suína e de frango, Francisco Sérgio Turra afirmou que a repercussão da Operação Carne Fraca foi exagerada, dando a impressão de que a carne brasileira é toda fraudada. “Foi muito forte esse discurso irresponsável, fruto de um levantamento ainda incompleto da própria operação [da Polícia Federal]”, afirmou em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. Segundo ele, os produtores brasileiros mantêm padrões de qualidade elevados e as falhas identificadas pelas autoridades não pegam 0,5% do setor.

Os excessos da PF devem ser condenados. Mas a corrupção deve ser exemplarmente punida

Mas o estrago econômico potencialmente devastador está feito. Estão sob ameaça exportações anuais de US$ 14,5 bilhões em produtos com proteína animal. O Brasil levou anos para remover a desconfiança de autoridades sanitárias de outros países e disputar o mercado mundial da carne. Agora, infelizmente, estamos sob suspeita.

Os excessos da PF devem ser condenados. Mas a corrupção, mesmo pontual e minoritária, deve ser exemplarmente punida. É necessário dar um basta a isso. Quando vamos romper esse ciclo? Quando vamos assistir, de fato, à punição dos culpados? A repetição dos escândalos gera um perigoso fatalismo. Quando se banaliza a corrupção, se banaliza a culpa. O risco é de que se torne um comportamento epidêmico. Para onde vamos?

Uma das causas dos crimes e dos desvios de comportamento que castigam a sociedade brasileira é, sem dúvida, a certeza da impunidade. O criminoso sabe que a probabilidade de um longo período de reclusão só existe na letra morta da lei. O Brasil, como bem sabemos, não padece de anemia legal. O nosso drama é a falta de eficácia na aplicação da lei.

Mas há, estou convencido, causas ideológicas mais profundas para o eclipse da ética e para a explosão das ações criminosas. O relativismo ético e a ausência de limites estão na raiz da patologia social.

Há no cerne da crise uma profunda raiz ideológica. Na verdade, as bases racionais da modernidade foram minadas pelo relativismo. Rompeu-se, dramaticamente, o nexo de união entre vontade e razão. Dessa forma, as pessoas passaram, no seu comportamento prático, a confundir gosto com vontade, sem conseguir captar as profundas diferenças existentes entre ambos. Por isso, cada vez mais o gosto, o capricho, o prazer (incluindo as suas manifestações mórbidas e doentias) passaram a impor sua força cega. Um dos traços comportamentais que marcam a decomposição ética da sociedade é, efetivamente, o desaparecimento da noção da existência de relação entre causa e efeito. A responsabilidade, consequência direta e lógica dos atos humanos, simplesmente desapareceu. O fim justifica os meios. Sempre. Trata-se da consequência lógica do raciocínio construído de costas para a verdade e para a ética. O político não tem limites na busca do poder. O burocrata avança no dinheiro público. E alguns empresários vendem carne estragada para aumentar a lucratividade do negócio. É terrível, mas é assim.

Se não houver uma profunda renovação moral da sociedade, seguiremos arando no mar. O relativismo ético e a ausência de limites estão no cerne. O nó está aí. Se não tivermos a coragem e a firmeza de desatá-lo, assistiremos a uma espiral de comportamentos criminosos e antiéticos sem precedentes.

Carlos Alberto Di Franco é jornalista.
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