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| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

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Os nomes, as situações e os pedidos da mensagem são comuns no ciberespaço e merecem nossa análise. Estamos lendo uma notícia falsa (fake news) que viraliza em segundos pelos aplicativos dos smartphones e causam um dano político incalculável. Os compartilhamentos e as curtidas ganham força quando o produtor das fake news apresenta informações aparentemente verdadeiras, numa linguagem fácil e destinada a um público que já tenha uma opinião desfavorável em relação aos personagens envolvidos na mentira. O fenômeno recente – que definiu 2016 como o ano que marca a era da pós-verdade – suscita uma série de análises sobre o ambiente virtual. No entanto, vamos nos concentrar em dois pontos para a nossa reflexão: o discurso do ódio e o controle da política.

O conteúdo das notícias falsas na política é caracterizado pelo ódio em relação ao outro. Significa que, majoritariamente, as fake news desprezam um dos elementos constitutivos das sociedades modernas pós-Segunda Guerra Mundial, que é a capacidade de reconhecimento do outro e do diálogo. Ambas são condições para a construção de processos políticos civilizacionais que permitam concordar e discordar, ou criar consensos e dissensos dentro de um ambiente de valores políticos democráticos e republicanos.

A combinação do ódio e do controle político difundidos pelas notícias falsas coloca-nos na mesma condição dos personagens de “1984”

Avançando na nossa análise, a negação do outro significa a nossa própria morte como sujeito que vive em sociedade. Como mostrou Hannah Arendt, os campos de concentração foram grandes espaços de negação e de banalidade do mal orientados pelo ódio. Não estamos afirmando a necessidade de concordar com o outro, mas de reconhecê-lo como um sujeito discursivo – mesmo que nós discordemos totalmente dele. Aqui está a essência da política com traços democráticos e que nos distancia de regimes autoritários ou totalitários.

Considerando o outro e o diálogo como centrais no século 21, como devemos proceder para controlar as notícias falsas? A resposta é mais complexa do que imaginamos. Primeiro, porque o ciberespaço organizado em escala global e de acesso difuso para parte significativa da população mundial não tem 20 anos. Isso significa que estamos experimentando novidades tecnológicas diárias em uma velocidade de transmissão exponencial em que ainda não conseguimos mensurar quais serão os impactos disso nas pessoas. Vamos pensar em quantas mensagens recebemos, lemos na íntegra, analisamos de maneira profunda e respondemos corretamente todos os dias no Facebook, WhatsApp, Twitter, Instagram etc. Conseguimos contabilizar enquanto estudamos e trabalhamos? Sem contar as mensagens que recebemos na madrugada. Parece que ninguém mais dorme! Dessa forma, a qualidade dos filtros sobre as notícias recebidas e compartilhadas é muito limitado.

Leia também: Nem tudo o que cai na rede é fato (editorial de 7 de janeiro de 2017)

Leia também: O poder do jornalismo contra as fake news (artigo de Luciana Sálvaro, publicado em 10 de fevereiro de 2018)

O segundo ponto, e talvez um dos mais complexos para enfrentarmos no momento, está ligado ao funcionamento dos algoritmos que orientam os aplicativos usados e a arquitetura de funcionamento das redes. Sabemos como funcionam? Estamos cientes de como e de quem define o que aparece na nossa linha do tempo do Facebook ou do Google? Sabemos quem tem o controle? Conhecemos quais são as empresas especializadas em criar tendências a partir de notícias falsas? A ausência de respostas efetivas e transparentes para as poucas perguntas formuladas já demonstra que os projetos de lei, como o PL 473/17, do senador Ciro Nogueira (PP/PI), o PL 6.812/17 e o PL 7.604/17, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), que buscam regular o compartilhamento de notícias falsas pelos usuários, são limitados, insuficientes, ineficazes e até mesmo perigosos.

O perigo encontra-se no controle político que poderá ser realizado pelos órgãos públicos e privados sem que a sociedade tenha acesso real aos mecanismos e procedimentos adotados. As decisões tomadas no Brasil já demonstram o caminho do controle. O Tribunal Superior Eleitoral, na presidência do ministro Gilmar Mendes, optou por envolver as Forças Armadas e a Agência Brasileira de Inteligência no controle das redes. Dito de outra forma, podemos falar que o Estado brasileiro potencialmente colocou, em cada dispositivo que utilizamos, um soldado para vasculhar as nossas informações, ou seja, somos alvos militarmente controlados. Alternativas privadas também apresentam dilemas jurídicos e éticos sobre o controle dos usuários.

Estamos em um novo período da nossa organização social, que merece uma profunda análise orientada por valores democráticos e republicanos, pois a ficção do passado transformou-se em realidade. A combinação do ódio e do controle político difundidos pelas notícias falsas coloca-nos na mesma condição dos personagens de George Orwell no livro 1984. Se avançarmos neste caminho, podemos terminar com um “Ministério da Verdade” – público ou privado –, criado para combater as notícias falsas, mas que, na prática, retira as nossas liberdades e nos deixa sem saber quem realmente está produzindo as fake news sobre política, previdência, o mercado de trabalho, a educação e a saúde.

Eduardo Faria Silva, doutor em Direito, é coordenador-geral dos cursos de pós-graduação em Direito e coordenador e professor da pós-graduação em Direito Constitucional e Democracia da Universidade Positivo (UP).
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