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Ao perfil do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), faltam dados sobre suas relações com o cinema e, principalmente, seu convívio com os filmes de faroeste. Parece que em alguma fase da adolescência, juventude ou mesmo mais tarde, o parlamentar deixou-se impressionar pelos enredos do tipo bangue-bangue, tantas são as semelhanças entre suas atitudes e os estereótipos do gênero. No seu desempenho político, sobretudo a partir da temporada de protagonismo iniciada em fevereiro, percebe-se nítida inclinação para o papel de herói-vingador, o valentão calado, solitário, lacônico, que sai das sombras e liquida todos os adversários.

Dono de um dos currais do Poder Legislativo, Cunha vem mandando e desmandando na república como se a coisa fosse dele. É pública. Ele se imagina invulnerável, imbatível, chuta a portinhola do saloon e entra atirando sem piscar. Não sobra um.

Na realidade, Cunha é um tremendo canastrão: o script que montou para si mesmo é uma fantasia onipotente, delirante, que por acaso teve alguns sucessos iniciais por causa da mediocridade do elenco que pretendeu enfrentá-lo. De lacônico nada tem, é um falastrão abusado que imaginava sequestrar a frágil mocinha que tanto o incomodava, mas acaba de ser desmascarado por uma charmosa, competente e corajosa criminalista que deixou de calças curtas aquele que se imaginava Zorro.

Eduardo Cunha precisa de limites, está exorbitando e até agora não apareceu quem enfrentasse suas molecagens

O depoimento da advogada Beatriz Catta Preta ao repórter César Tralli no Jornal Nacional desta quinta-feira não muda o rumo da Operação Lava Jato; ao contrário, só reforça e engrossa uma das mais sinistras tramas da história penal brasileira.

A gangue de delinquentes que privatizou a Petrobras e assaltou os seus cofres ficou visivelmente ampliada com as sutis denúncias da advogada que conseguiu transformar nove réus em preciosos colaboradores da investigação. Agora ela joga os refletores sobre o ocupante de um dos cargos mais eminentes do Estado brasileiro (segundo na linha da sucessão presidencial), colocando-o de maneira irreversível no papel de suspeito de cometer múltiplas prevaricações e malfeitorias. As principais: usar o cargo público em benefício pessoal e embaraçar o andamento da Justiça.

Já não era sem tempo: o deputado Eduardo Cunha precisa de limites, está exorbitando e até agora não apareceu quem enfrentasse suas molecagens. O presidente do seu partido, o PMDB, é também vice-presidente da República e teme confrontá-lo abertamente de modo a perenizar uma ambiguidade que a legenda traz gravada no seu DNA. Os partidos da oposição, por sua vez, não têm qualquer interesse em moderar a ferocidade do mais encarniçado inimigo do PT e da presidente, sempre dispostos a pegar carona nos seus surtos beligerantes.

A convocação da criminalista Beatriz Catta Preta para depor na CPI da Petrobras e o tipo de questionário a que seria submetida pelos comparsas de Eduardo Cunha são visivelmente intimidadores, portanto ilegais. O presidente da suprema corte, Ricardo Lewandowski, fez bem em conceder uma liminar autorizando a advogada a calar-se diante de perguntas relativas à sua atividade profissional. Ao mesmo tempo, condena a tentativa da CPI de “transformar defensores em investigados”.

A convocação da multinacional Kroll para vasculhar as contas bancárias de 12 delatores da Operação Lava Jato é tão aberrante e despropositada que o aliado de Cunha e presidente da CPI, deputado Hugo Mota (PMDB-PB), tomou a iniciativa de reduzi-la para quatro. Qualquer que seja o número dos investigados, trata-se de uma truculência institucional: os delatores, bem como os indiciados e suspeitos, estão sendo investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal.

Beatriz Catta Preta não abandonaria uma carreira até agora muito bem-sucedida se não tivesse graves razões para isso. Os contra-ataques imediatos dos aliados de Cunha são autoexplicativos: o bando começa a assustar-se com a repercussão da entrevista. A entrada em cena de uma advogada destemida, articulada e comprometida com o combate à impunidade tem condições de reverter o resto do filme. De repente, o pistoleiro vacila, sua camiseta com a inscrição “Fora Dilma” está esgarçada e pode ser substituída pela camiseta elegantemente lançada na quinta-feira pela advogada: “Fora Cunha”.

Alberto Dines é jornalista.
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