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 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Outrora cobrindo mais de um terço do território paranaense, a Floresta com Araucária foi submetida a um inacreditável processo de destruição em que a cobiça, a corrupção e a falta de bom senso foram preponderantes – com a colaboração, também, de empresas de outros países, agraciadas com concessões dos governos da época. A regra era muito clara: gerar o maior lucro possível no menor tempo, abrindo espaço para um novo negócio, a agricultura.

Reinhard Maack, em sua Geografia Física do Estado do Paraná, publicada em 1968, não guardava mais grandes expectativas para a imensa floresta que já não existia mais: “Em pouco tempo as primitivas regiões de matas estarão completamente destruídas no estado do Paraná. As últimas reservas de matas virgens talvez resistirão ainda durante uma geração. O destino da mata já está traçado, pois o estado não criou oportunamente as reservas naturais necessárias. Talvez os declives de Serra do Mar e suas respectivas regiões altas ainda exibam a vegetação durante um período mais prolongado; porém a mata dos planaltos do interior, dentro de alguns decênios, dará lugar à terra de cultura, matos secundários e pequenas áreas de reflorestamento”.

Curitiba é a capital do que Hoehne um dia chamou de “Araucarilândia”

Nem mesmo as medidas legais de controle, com o surgimento do Código Florestal Brasileiro, na década de 60, arrefeceram a saga madeireira dos paranaenses. Avançamos celeremente mesmo sobre remanescentes já fora do contexto de “ciclo econômico”. A prática de corte de madeira, normatizada por planos de manejo, se na teoria teve respaldo técnico, na prática apenas permitiu o avanço da impiedosa degradação, até os dias de hoje.

Com remanescentes ínfimos e já bastante degradados, não existe mais a verdadeira Floresta com Araucária, totalmente extinta na sua conformação natural e exuberante, como informa Maack. Restaram trechos pontuais que hoje ainda sofrem pela contínua intenção de cortar o que restou. Instigante perceber que o argumento mais utilizado pelo pessoal do ramo, ainda buscando avançar com ações madeireiras na Floresta com Araucária, é o de que, se não se permitir o corte dessas últimas araucárias centenárias, todos os remanescentes desaparecerão.

Ao indignar-se publicamente na própria rede social pelo corte de uma araucária em Curitiba, o prefeito Rafael Greca demonstra uma rara sensibilidade. Muito acima da percepção da maioria dos paranaenses, o alcaide historiador nos apresenta uma lição de que é necessário cultuar nossos símbolos maiores. Que não pode continuar tão frágil nosso apreço pela natureza, que nos acolheu num território rico e diverso em ambientes naturais extraordinários. Aponta a medida tomada, de restringir o corte de araucárias em Curitiba, para a necessidade de estabelecer limites que respeitem o interesse coletivo.

Neste delicado momento em que uma minoria pede a diminuição dos últimos remanescentes de florestas com araucária no Paraná, por meio da diminuição da APA da Escarpa Devoniana, é louvável a postura do prefeito. Pode-se dizer que Curitiba é a capital do que Hoehne um dia chamou de “Araucarilândia”, única capital do Brasil situada no bioma da Floresta com Araucária ou Floresta Ombrófila Mista. O pinheiro é seu símbolo máximo, mas não podemos esquecer que, além dele, faziam parte deste ecossistema único no mundo a imbuia (também extremamente ameaçada de extinção), a canela, a erva-mate e tantas outras espécies endêmicas de fauna e flora desta floresta. A iniciativa do prefeito é um alerta importante que também busca resgatar um pouco da nossa identidade como paranaenses.

Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.
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