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 | Gabriela Sabau/International Judo Federation/Facebook
| Foto: Gabriela Sabau/International Judo Federation/Facebook

O esporte costuma ser um mundo à parte e aqueles que dedicam suas vidas a essa atividade não se incomodam com a origem étnica, religiosa ou política de seus competidores. Admiram a dedicação, o empenho e a superação no ganho de um centésimo de segundo, alguns milímetros ou gramas, ou algo que diferencie um campeão de um mero atleta. O esporte nada tem a ver com política e assim deveria ser. Infelizmente, nem sempre esse princípio elementar é seguido à risca. Certames esportivos e mesmo os Jogos Olímpicos têm sido palco de rivalidades diplomáticas que às vezes abandonam o bom senso e a civilidade, e ultrapassam os limites do ridículo.

As organizações esportivas internacionais deveriam banir países que não entendem o significado do desporto como interação entre indivíduos de povos e culturas distintas, e sua contribuição para a paz mundial. No dia 26 de outubro, mais uma vez, o ideal esportivo foi pisoteado e deixado sob as diferenças políticas entre países. Naquele dia, ao derrotar Nijat Shikhalizada, do Azerbaijão, e vencer a etapa de Abu Dhabi do Grand Slam de Judô, o judoca israelense Tal Flicker, da categoria até 66 kg, sentiu isso na pele.

A federação de judô dos Emirados Árabes Unidos (UAE) se recusou a erguer a bandeira de Israel para os atletas do país vencedor, bem como a tocar seu hino. Antes, os israelenses foram proibidos de utilizar quimonos ou uniformes que identificassem seu país. Israel e os Emirados não têm relações diplomáticas. Porém, em vez do espírito esportivo, prevaleceu o ódio a Israel, que no mundo árabe se reproduz em todos os setores onde a política normalmente não tem espaço. No pódio, ao receber a medalha de ouro, sob o som do hino da Federação Internacional de Judô, Flicker cantou sozinho o Hatikvah (“A Esperança”), hino de Israel.

Boicotar Israel é quase uma tradição em eventos com atletas de países islâmicos

Além dele, a judoca israelense Gili Cohen, que ficou em terceiro lugar na categoria até 52 kg no mesmo torneio, também não teve a bandeira do país estendida no pódio. Um dia antes, a Federação Internacional de Judô havia enviado uma carta à federação dos Emirados Árabes solicitando que todas as delegações, incluindo a de Israel, fossem “tratadas de forma igual em todos os aspectos”. É lamentável que um país que discrimina vergonhosamente atletas de outro país, até mesmo no momento da vitória, mereça sediar competições esportivas.

O artigo 2.º do Código de Ética da Federação Internacional de Judô diz: “Não haverá discriminação entre os participantes com base em raça, gênero, origem étnica, religião ou outros motivos”. Abu Dhabi, Dubai e outros cinco emirados têm uma imagem cuja propaganda descreve um país desenvolvido, moderno e aberto ao mundo. Mas atrás dessa máscara esconde-se um regime ditatorial, opressivo, não democrático e preconceituoso. Na Alemanha nazista, judeus ou negros competindo nos Jogos Olímpicos eram discriminados por causa de sua raça ou religião. Hoje, judeus são discriminados por causa do seu país.

Ao todo, 12 judocas israelenses disputaram o Grand Slam de Abu Dhabi, sete homens e cinco mulheres. Além do ouro de Flicker e do bronze de Gili Cohen, o país ainda levou mais três bronzes: Tohar Butbul (até 73 kg), Peter Paltchik (até 100 kg) e Or Sasson (acima de 100 kg). Neste caso de Abu Dhabi, que ainda dificultou a entrada dos atletas, chega a ser irônico que a arte marcial japonesa, cuja história tem 135 anos, tenha um nome que significa “caminho gentil”!

Atletas israelenses têm sido alvos de discriminações constrangedoras; o caso de Abu Dhabi não é novidade. Boicotar Israel é quase uma tradição em eventos com atletas de países islâmicos. Eles se recusam a competir, ou, quando competem, não os cumprimentam. Tal atitude dos Emirados Árabes aos israelenses não é novidade. Em 2009, o mesmo país negou visto de entrada a Shahar Peer, o que levou a Associação Mundial de Tênis a multar Dubai em US$ 300 mil.

A Carta Olímpica é clara: “qualquer forma de discriminação que diga respeito a um país ou a uma pessoa em termos de raça, religião, política, gênero ou outra é incompatível com a associação ao Movimento Olímpico”. O espírito olímpico irradia cordialidade, mas a realidade é outra.

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A lista de grosserias nos esportes é longa e nem os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, escaparam. Naquela ocasião, também no judô, o egípcio Islam Al Shehaby lutou contra o israelense Or Sasson e foi derrotado. Recusou o aperto de mão do oponente mesmo tendo os dois países relações diplomáticas. Além disso, a judoca saudita Joud Fahmy não disputou uma luta prevista contra Christianne Legentil, das Ilhas Maurício. Antes da luta, anunciaram que ela tinha “machucado os braços e as pernas no treinamento”. Dando uma olhada na chave, ficou evidente que o motivo era outro. Se vencesse a adversária, a saudita enfrentaria a israelense Gili Cohen. A Arábia Saudita e Israel não mantêm relações diplomáticas, o reino não autoriza seus habitantes a visitar Israel e não concede visto a israelenses. Mas o primeiro incidente no Rio 2016 ocorreu no dia da abertura dos Jogos. Atletas libaneses rejeitaram a presença de atletas israelenses no mesmo ônibus que os levaria ao Maracanã. Oficialmente, Líbano e Israel estão em guerra. O chefe da delegação libanesa exigiu que o motorista fechasse a porta do ônibus para impedir a entrada dos israelenses, cuja delegação acabou indo para o estádio em outro ônibus. A Carta Olímpica levou uma rasteira.

Conflitos semelhantes com israelenses aconteceram em outras edições dos Jogos Olímpicos. Em 2004, em Atenas, o judoca iraniano Arash Miresmaeili não quis lutar contra o adversário israelense e foi recompensado pelo Irã com um prêmio de US$ 115 mil, soma normalmente reservada aos vencedores. E o nadador iraniano Mohamed Ali Rezaei boicotou provas em dois campeonatos mundiais devido à presença de israelenses na piscina. Em 2013, num torneio no Uzbequistão, o tenista tunisiano Malek Jaziri recebeu advertência de sua federação para não jogar contra o israelense Amir Weintraub, como previa a chave. A proibição a Jaziri repetiu-se em 2015, no torneio de Montpellier, sul da França, contra o tenista de Israel Dudi Sela.

Um pequeno alento nisso foi o fato de funcionários da Associação de Judô dos Emirados Árabes pedirem desculpas posteriores, deixando a expectativa, ainda não confirmada, de que os símbolos israelenses sejam permitidos numa próxima vez. Derrubar barreiras para maior tolerância entre as nações, incentivando a amizade e a solidariedade, expressam os reais valores do desporto. A indignação internacional também é importante para que essas flagrantes discriminações terminem e desapareçam da história dos esportes no mundo.

Szyja Lorber é jornalista e assessora instituições da comunidade israelita do Paraná. Ari Zugman é empresário e presidente da Federação Israelita do Paraná.
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