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Felipe Lima, sobre pintura de Norman Rockwell

No dia 14 de novembro de 1960, Ruby Bridges, uma garotinha negra de 6 anos de idade, se tornaria um dos maiores símbolos da luta contra a segregação racial nos Estados Unidos da América. Ruby foi escolhida, juntamente com outras três meninas, para dar início ao movimento de integração nas escolas públicas, segregadas desde 1896. O caso Brown v. Board of Education of Topeka, levado à Suprema Corte em 1954, considerou inconstitucionais as leis estaduais de segregação escolar, pois feriam diretamente a 14.ª Emenda da Constituição Americana, que diz: “Nenhum estado poderá fazer ou executar leis que restrinjam os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis”.

Ruby foi enviada à William Frantz Elementary School, em Nova Orleans (as outras garotas foram para a escola McDonogh 19), e lá foi recebida com protestos. Pais e mães de alunos se recusaram a dividir o espaço de seus filhos com uma negra; xingavam e ofendiam Ruby, enquanto esta caminhava, inconscientemente altiva, até a escola. Por causa da violência dos protestos, o presidente Dwight Eisenhower designou agentes federais para escoltarem Ruby na entrada e na saída da escola. Há um registro fotográfico consternador de Ruby sendo escoltada pelos policiais.

O racista brasileiro é só um estúpido, um idiota. Despreza o tom de pele como se este fosse essencial quando, na verdade, é um acidente

Quando ouvimos histórias como essa – principalmente no Brasil, país de intensa e irrefreável miscigenação, terra, segundo Gilberto Freyre, “equilibrada sobre antagonismos” –, tendemos a nos espantar, pois, mesmo com os horrores de nossa própria discriminação – parte indissociável desses antagonismos herdados da colonização escravista –, a raça brasileira é formada por um caldo étnico difícil de identificar. Ou seja, quase nunca se encontrará por aqui um negro que não seja um tantinho branco (ou índio), ou um branco que não seja um tantinho negro (ou índio). O racismo, no Brasil, é, sobretudo, uma declaração de estupidez. Isso mesmo: o racista brasileiro é só um estúpido, um idiota. Despreza o tom de pele como se este fosse essencial quando, na verdade, é um acidente – para usar a terminologia aristotélica.

Não obstante essa irrefutável constatação, o sentimentalismo fala mais alto quando se trata desse assunto. Querem solucionar o problema da desigualdade social – que alojou, majoritariamente, os mestiços na pobreza por causa da abolição, abortada no golpe republicano de 1889 – racializando a população brasileira e dando privilégios aos possíveis párias. Ou seja, querem inverter o processo ocorrido com Ruby Bridges.

E conseguiram. Implantaram sistemas de cotas raciais em universidades e no serviço público; mas agora precisam definir quem serão os beneficiados, uma vez que o critério adotado, a autodeclaração, estimularia a fraude. Mais estúpido – e racista – impossível!

A prefeitura do Rio de Janeiro criou uma comissão para comprovar se os aprovados em concurso pelo sistema de cotas são negros verdadeiros. Para isso, a comissão “considerará o fenótipo apresentado pelo candidato”. Querem remediar a marginalização causada pela abolição, mas não basta ser descendente de negros escravizados: a pele precisa ser escura; o nariz, achatado, e quem sabe não queiram verificar outras particularidades não acessíveis sem certo constrangimento. Se não for “nego-preto”, como se dizia antigamente, não entra – nem escoltado pelos U.S. Marshals. É o fim!

Paulo Cruz é mestre em Ciências da Religião e professor de Filosofia no ensino médio da rede estadual paulista.
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