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 | Fernanda Carvalho/Fotos Públicas
| Foto: Fernanda Carvalho/Fotos Públicas

A prática permanente de taxas elevadas de juros no país é uma das ações responsáveis pela mais aguda enfermidade brasileira: o crescimento de nossa economia aquém de nações com menor potencial do que o nosso. O atual índice da Selic, de 12,25% ao ano, posiciona nosso juro real como um bizarro campeão planetário.

Ante a gravidade do problema, cabe questionar os equívocos históricos em sua abordagem, que parecem repetir-se neste momento. Refiro-me ao fato de se subestimar os juros aviltantes como um dos principais causadores do déficit público, sem falar nos danos para empresas e pessoas. Utiliza-se no Brasil um recurso semântico, chamado “déficit primário”, que vem da década de 80 do século passado, quando tínhamos inflação elevadíssima, para discriminar as despesas orçamentárias do governo dos gastos referentes ao serviço de sua dívida. Assim, pagar R$ 500 bilhões de juros por ano não é apontado claramente como uma forte causa do desequilíbrio fiscal.

Basta que as despesas correntes com o custeio e investimento não sejam maiores que a arrecadação de impostos para que se procure passar à sociedade a sensação de que “finalmente” os gastos públicos estão sob controle. É como se o fabuloso montante jogado todos os anos pelo governo federal na fornalha dos juros não tivesse a mesma fonte de receitas para seu pagamento – os impostos e contribuições – e não fizesse parte da mesma gestão econômica. Essa antiga distorção precisa ser revista, trabalhando-se com o conceito do déficit nominal, que permite uma análise contábil realista, transparente e eficaz dos gastos da União.

Juros altos também têm sido um persistente e cada vez menos eficaz remédio anti-inflacionário

A questão dos juros, que transcende em muito ao esforço louvável do Banco Central de conter a inflação, precisa ser tratada como um caso sistêmico e não como um ponto fora da curva. Não é sensato baixá-los com uma canetada, como se tentou recentemente e sem sucesso, pois outras variáveis econômicas fundamentais para se obter uma taxa neutra mais baixa foram negligenciadas. É preciso considerar todos os outros fatores de estabilidade das contas públicas e entender o porquê de taxas tão elevadas.

O que está sendo feito há anos, porém, é a manutenção de um absurdo modelo de serviço da dívida, sustentado pelos juros elevadíssimos pagos pelos títulos do governo. Juros altos também têm sido um persistente e cada vez menos eficaz remédio anti-inflacionário. É uma equação que não fecha e retroalimenta um círculo monetário pernicioso. É preciso considerar que a inflação não pode ser combatida apenas pela Selic, pois tem causas diversas, a começar pela indexação de diversos preços aos índices passados e créditos direcionados criados para driblar as elevadas taxas de juros praticadas na economia. Como se vê, há uma grande ironia nisso.

Por isso, em paralelo à PEC do Orçamento e à reforma previdenciária em curso, é também uma prioridade rever o sistema tributário, buscando-se uma equação equilibrada entre o estímulo da economia e a saúde financeira do Estado. Num planejamento de longo prazo, devem ser consideradas todas as despesas, incluindo o serviço da dívida, bem como os recursos necessários para fazer frente a elas. Com isso, não seria mais necessário colocar títulos públicos no mercado com juros elevadíssimos, para rolar a dívida estatal. Este é um modelo obsoleto, cada vez mais ineficaz e danoso ao país.

O governo, as empresas e as famílias sofrem muito com a falta do dinheiro direcionado ao pagamento de juros. São recursos que saem da economia produtiva e alimentam o rentismo, mantendo viva e forte a ciranda financeira. Como alertou Paulo Rabello de Castro, presidente do IBGE, de 1999 até hoje a dívida pública está quase duas vezes superior ao que poderia ser se tivéssemos taxa neutra mais baixa.

A Selic elevada, além de impactar todas as outras taxas de juros, limita e onera muito os investimentos produtivos, torna insuportável o custeio das empresas, desestimula o consumo, amplia a inadimplência e engessa a economia. Importante observar que as taxas pagas pelas empresas e famílias são muito superiores à Selic. Os juros dos recursos livres para as empresas são de 31% ao ano e para as pessoas físicas, de 72%, sem falar na excrescência das taxas do cheque especial, que vão a quase 500% anuais.

Os escorchantes juros brasileiros também estabelecem uma profunda relação de injustiça social, à medida que premiam a aplicação financeira e punem a economia real e aqueles que dependem de salários e do bom desempenho das empresas para viver dignamente. É inadmissível que a União gaste muito mais com juros que com quaisquer outros programas, dentre os quais saúde e educação, cujas verbas para 2017 são, respectivamente, de R$ 110,2 bilhões e R$ 62,5 bilhões.

Para os empreendedores e pessoas físicas, a excessiva concentração bancária também joga contra. Quanto menor a concorrência, mais caros são os produtos e serviços. Outra questão importante é o fato de haver no país muitas linhas de juros reduzidos nos créditos direcionados. Isso é bom apenas para quem toma estes recursos, mas os malefícios são inúmeros para a política monetária, que fica capenga. Crédito subsidiado deve existir para o essencial e atividades de risco como, por exemplo, pesquisa, inovação e investimentos, e o seu retorno deve ser medido ano a ano. Porém, verdade seja dita: enquanto tivermos taxas de juros estratosféricas no mercado livre, será necessária a existência de crédito direcionado, com níveis reduzidos. Por isso, precisamos descascar essa indigesta jabuticaba brasileira, para praticar juros civilizados de maneira ampla e democrática e parar com a política de puxadinhos.

Os juros são um item estrutural significativo para a retomada do crescimento e o desenvolvimento sustentável do Brasil. Não podem continuar sendo abordados como “medida transitória” de combate inflacionário. Enquanto a União jogar anualmente no ralo da sua dívida um montante superior ao dobro do orçamento do governo de São Paulo, maior estado da Federação (R$ 206,02 bilhões em 2017), não haverá saúde fiscal e investimentos públicos no volume necessário. O mais grave é que empresas e pessoas físicas são os pagadores dessa conta – de modo direto, quando contratam crédito, ou apenados pelos lucros cessantes, pela extinção de negócios e pelo flagelo do desemprego.

Fernando Valente Pimentel é presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).
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