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Maria sempre foi uma ótima cozinheira. Talentosa, disciplinada e sempre disposta a se qualificar. Após 15 anos no mesmo restaurante, ela recebeu uma proposta irrecusável de um concorrente.

O patrão sempre gostou do trabalho de Maria e lamentou perdê-la, ainda mais assim, tão de repente. Ficou a gratidão e a admiração pelo seu profissionalismo. A funcionária tinha pressa e não cumpriu o aviso prévio. Por isso, teve um salário descontado no pagamento da rescisão. Maria saiu da firma pela qual se empenhou durante um grande período da sua vida, com suas abençoadas mãos quase abanando, sem direito nem mesmo a sacar o FGTS.

João, o auxiliar de Maria, foi promovido. A escolha foi natural. Ele era um jovem promissor e esforçado. Começou bem e manteve a clientela satisfeita. O tempo passou e apareceram os sinais de acomodação. Meses depois, começaram as reclamações: o tempero da comida não agradava mais. O patrão solicitou a ele um ajuste na quantidade de sal para evitar o descontentamento dos clientes. Em pouco tempo, contudo, as reclamações voltaram. Novamente, o patrão chamou João para conversar.

Ao ser repreendido, o cozinheiro, com três anos de casa, disse:

- Se o senhor não está gostando, paciência. Pode me demitir.

Precisamos de reflexão sobre as distorções, que premiam os menos comprometidos e punem os dedicados

- Mas eu não quero demitir você. Quero que você melhore!

João não melhorou. Continuou errando no sal e o salão do restaurante já acumulava mesas vazias até nos horários de pico. O patrão então tomou a decisão que não queria desligou o cozinheiro da empresa.

Ao contrário da impecável Maria, o acomodado João recebeu um salário correspondente ao aviso prévio indenizado, com um adicional de mais nove dias de trabalho, um “prêmio” pelo tempo de empresa. E ainda havia mais recompensas pelo fato de ter sido dispensado pela empresa: recebeu a autorização para sacar todo o saldo do FGTS, acrescido de 40%.

O desinteressado funcionário ainda teve direito ao seguro-desemprego. Decidiu ficar em casa descansando e recebendo todas as cinco parcelas do benefício.

As cifras mostram a diferença de tratamento da lei para os dois funcionários, que exerciam a mesma função e eram remunerados de forma idêntica (cerca de R$ 3 mil).

Enquanto Maria foi obrigada a pagar R$ 3 mil de aviso prévio ao empregador, João recebeu cerca de R$ 23 mil, incluindo o aviso prévio equivalente a 39 dias de salário, o saldo e a multa sobre o saldo do FGTS, além das cinco parcelas de aproximadamente R$ 1,5 mil do seguro-desemprego.

O patrão fez algumas reflexões e uma pergunta não saiu da sua cabeça: será que este “prêmio” na rescisão não estimulou o comportamento indolente que marcou a última fase de João no restaurante?

***

Esta história não poderia ser mais real. Ela se repete milhares de vezes no País todos os dias. Precisamos de reflexão sobre estas distorções, que diariamente premiam os trabalhadores menos comprometidos e punem os mais dedicados.

Com esta legislação trabalhista arcaica e que destoa dos nossos concorrentes globais, o Brasil vem estimulando o padrão de comportamento de João e inibindo condutas como a de Maria.

Esta deformidade afeta a competição e, consequentemente, o perfil do mercado de trabalho no Brasil. Perdem as empresas, perdem os trabalhadores, também vítimas de uma economia mesmo dinâmica.

Não é segredo que a melhora no índice de produtividade dos trabalhadores determina ciclos de desenvolvimento sólidos e sustentáveis. Por isso, trata-se de um parâmetro cada vez mais monitorado pelos investidores. É grave, portanto, que o desempenho brasileiro nos rankings internacionais seja tão medíocre e que a legislação trabalhista seja uma indutora desta mediocridade.

Entre 2002-2012, de acordo com um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), crescemos apenas 0,6% em produtividade, o pior resultado entre 11 concorrentes globais. A Coreia do Sul, por exemplo, avançou 6,7%, onze vezes mais. O que ainda falta para reagirmos?

Em qualquer agenda política que coloque os interesses do Brasil em primeiro lugar, deve figurar o debate sobre a reformulação de algumas regras da CLT. Para isso, precisamos da ação urgente dos líderes. Antes que os Joões se multipliquem e as Marias desapareçam do mercado.

Valter Luiz Orsi é presidente da Associação Comercial e Industrial de Londrina e do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Londrina
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