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Não faz muito, foi dito que seria possível fazer o diabo para vencer uma eleição. Tal tipo de pragmatismo imoral é traço comum em personalidades despidas da necessária honra e caráter que deve presidir o exercício digno da vida pública responsável. Sim, é básico que todo líder político almeja o poder para, lá chegando, fazer um bom governo e, assim, entrar na restrita galeria dos grandes estadistas. Nesse contexto, só é grande quem faz muito e quem faz bem. Logo, política séria deve visar o longo prazo e a correção das medidas justas; por sua vez, política rasteira só olha para os volúveis interesses do momento e seus efeitos eleitorais. Infelizmente, em um país sem memória crítica, a mentira tem servido de instrumento útil para muitas vitórias nas urnas. Todavia, vencer eleições não significa ter condições de governabilidade.

Ora, a boa política tem como pressuposto básico o dever de falar a verdade. Objetivamente, as pessoas não querem ser enganadas nem usadas como moedas baratas para fraudulentos projetos de poder. Aliás, oportuno lembrar que, por mais diabólico que seja, o diabo não pode tudo; é capaz de amedrontar, ameaçar e hostilizar, mas, aberta a porta do inferno, inaugura-se um caminho sem volta. Dessa forma, é muito melhor perder uma eleição com dignidade do que vencê-la indignamente. Até mesmo porque a indignidade é um desvalor de alto custo político.

Em regimes políticos sérios, os golpistas são aqueles que promovem o achincalhamento institucional da república

Veja-se, por exemplo, o preço que o Planalto está pagando por tentar derrubar seu principal partido aliado quando da eleição à presidência da Câmara dos Deputados. Ali, as fissuras entre PT e PMDB atingiram as profundas estruturas da base parlamentar, comprometendo a estabilidade de uma aliança já desgastada pelos naturais interesses do tempo. Agora, com a volta do recesso parlamentar, a temperatura do Congresso entrará em ebulição; a luta pelo poder ficará visceral. O nobre leitor já pode tirar as crianças da sala, pois será carnificina nua e crua; teremos um aberto salve-se quem puder em um jogo de golpes baixos e promiscuidades fúteis.

Para tranquilidade geral da nação, vale lembrar que o Brasil não começou ontem e não terminará amanhã. Independentemente do que vier a acontecer, haverá vida e luz após o dilúvio passar. A situação política, no entanto, é de absoluta e preocupante gravidade. A presidente perdeu o respaldo das ruas e colocou o país em temerária situação econômica. As denúncias de irregularidades em sua campanha eleitoral pululam por todos os lados. Tesoureiros, empreiteiros e alguns parasitas do poder já estão presos. O próprio Lula, último refúgio de legitimidade petista, vive seus tristes dias de crepúsculo. A influência do passado faz pouco eco presente. Ao cair o sol, apenas haverá a solidão da noite.

Adicionalmente, o mensalão derrubou muita gente do partido oficial, tornando sua representação parlamentar árida e rarefeita. E, com lideranças rasas, não há como superar os altos desafios do presente. Para piorar, a Operação Lava Jato dá seus primeiros passos sobre a ponta política do esquema criminoso. A sangria será contínua e permanente. Isso sem falar nas denúncias que circundam o setor elétrico e o BNDES sobre supostas irregularidades. Ou seja, o desgaste será contínuo e permanente. A já esquálida aprovação presidencial minguará rumo ao nada, acelerando ainda mais o quadro de aguda crise econômica.

Chegando aqui, a memória me faz ir a agosto de 1974, para lembrar a renúncia de Richard Nixon no rumoroso escândalo de Watergate. Quando do início das investigações, o ex-presidente americano negou insistentemente sua participação, esforçando-se ao máximo para tentar blindar a Casa Branca e, com isso, proteger seu mandato. Não sei se houve alguma reunião secreta em Portugal, mas quando o fato é mais forte que a versão é inviável jogar a verdade para baixo do tapete. Iniciado o processo de impeachment, Nixon renunciou para evitar a humilhação de ser cassado.

O exemplo serve para mostrar que, em regimes políticos sérios, os golpistas são aqueles que promovem o achincalhamento institucional da república, usando o crime para custear campanhas eleitorais e a mentira para iludir a boa-fé do povo. O impeachment presidencial, nos termos da lei, é um acontecimento político possível e, em certas circunstâncias, absolutamente necessário para o resgate da moralidade administrativa. Quando há grandeza de espírito público, a renúncia é politicamente menos traumática, possibilitando que a sucessão governamental tenha melhores condições de construir caminhos para a gradual superação dos problemas estabelecidos.

E quando não há grandeza, espírito público e liderança, o que fazer?

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado.
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