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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

A Justiça Eleitoral é boa, mas o sistema de registro de candidaturas no Brasil é esquizofrênico. Há um grave déficit de funcionalidade. A possível candidatura de Lula despertou o país para o tema.

O que é o registro, afinal? É simples. Equivale a uma fase de inscrição para concursos públicos. É necessário preencher condições mínimas. Para usar as expressões técnicas, devem estar presentes todas as condições de elegibilidade (idade, filiação etc.) e o candidato não pode estar inelegível (ficha limpa, para citar o exemplo mais conhecido). Fácil? Poderia ser, mas aqui no Brasil não é.

Na maioria dos países (Espanha e Equador, em exemplos aleatórios), a campanha eleitoral só tem início depois de definida a fase de registro. No Brasil – aqui está a esquizofrenia –, o pedido de registro só pode ser requerido no primeiro dia da própria campanha eleitoral. Ainda que a inelegibilidade seja aritmética (expressão de Gilmar Mendes), será necessário declará-la no ambiente de um processo de registro (assegurado o devido processo legal). E isso leva algum tempo, por mais célere que seja a Justiça Eleitoral (e é muito célere).

Se Lula fizer o pedido de registro, terá direito de fazer campanha até que haja decisão final, como sempre foi para todos

Até que o registro seja julgado, os candidatos não podem ser afastados da campanha. É o que está no artigo 16-A da Lei Eleitoral: enquanto a decisão do registro estiver pendente (chamamos isso de sub judice), o candidato pode realizar todos os atos de campanha, inclusive o horário eleitoral gratuito. Dada a premissa esquizofrênica (campanha e registro ao mesmo tempo), poderia ser diferente? A única resposta é não. Como impedir alguém de fazer campanha se ainda não é possível dizer se o registro será ou não deferido? O artigo 16-A apenas mitiga os horrores do déficit de funcionalidade do registro de candidatura no Brasil.

Henrique Neves, ex-ministro do TSE, fez uma proposta para deixar o sistema mais racional. Sugeriu a antecipação do momento do registro; a campanha só começaria depois. Como boa parte das propostas inteligentes, não passou no Congresso. Mantivemos um sistema disfuncional, agravado com a recente redução do período de campanha (de 90 para apenas 45 dias) e, consequentemente, do prazo para julgamento dos registros. Simplesmente não dá tempo para julgar antes da eleição. Segundo o TSE, 145 prefeitos se elegeram com registros sub judice em 2016.

Leia também:  A candidatura de Lula e o papel do STF (artigo de Guilherme Lucchesi, professor do UniCuritiba)

E o ex-presidente Lula, afinal? Se fizer o pedido de registro, terá direito de fazer campanha até que haja decisão final, como sempre foi para todos. Alguém poderia dizer que uma inelegibilidade aritmética como a de Lula autorizaria uma saída jurídica prêt-à-porter. Academicamente, até já defendi técnicas processuais adequadas para hipóteses excepcionais, mas no caso de Lula seria um grave casuísmo (não há nenhum precedente na história do TSE).

E o casuísmo também retiraria de Lula a possibilidade de reversão da inelegibilidade. É que a Lei do Ficha Limpa (artigo 26-C) prevê que a inelegibilidade possa ser suspensa pelos tribunais superiores (STJ ou STF) até a diplomação (definiu o TSE). Basta que os recursos sejam plausíveis. Retirariam esta possibilidade logo no caso de Lula? Não seria adequado.

O registro de candidatura no Brasil é esquizofrênico. Temos de alterar o sistema, mas no Congresso. Por enquanto, vale a regra vigente. E para todos, incluindo o Lula.

Luiz Fernando Pereira, advogado e professor, é doutor em Direito pela UFPR. Apresentou este ano, a pedido do PT, um parecer jurídico sobre aspectos jurídicos da candidatura de Lula e, em 2017, um estudo, para o presidente Michel Temer, sobre a ação de cassação no TSE.
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