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| Foto: Brendan Smialowski/AFP

Um hábito que procuro cultivar é: quando todo mundo – principalmente a mídia – fala a mesma coisa sobre algo ou alguém, começo a desconfiar, vou na direção contrária, busco outras fontes de informações para, somente depois, formar minha opinião a respeito. A unanimidade contra ou a favor, sobretudo em questões políticas, sempre me incomoda. Nelson Rodrigues dizia que “toda unanimidade é burra”, pois nos dispensa de pensar e pesquisar. Para um preguiçoso, é ótima.

Repetir o que todos estão dizendo é bom para obter aprovação, mas não é um método para a busca da verdade. A legião de analistas que somente copiam o que sai na mídia é grande; por isso, o fato de ser grande o número de pessoas dizendo a mesma coisa não torna a opinião verdadeira. Fugir da multidão, estudar e pensar por si mesmo, muitas vezes requer, como disse Schopenhauer, olhar o mundo da outra ponta do telescópio, ou seja, de lá para cá.

Trump vai acertar e vai errar, é claro. Obama também acertou e errou

Há uma quase unanimidade na mídia brasileira contra Donald Trump. Muitos jornalistas, políticos e analistas que fazem afirmações contra ele têm pouco ou nenhum conhecimento sobre o inteiro teor do que ele propõe e de suas justificativas. Eu próprio não gosto de certas propostas de Trump, sobretudo quanto aos acordos econômicos multilaterais, nem gosto do estilo rude e canastrão dele. Mas achar que todas suas ideias e ações não fazem sentido é obviamente ilógico.

Não tenho opinião geral a priori contra ou a favor de Trump. Li entrevistas, examinei alguns discursos da campanha, li um antigo livro de que ele é coautor e outro da filha Ivanka, e acabo de ler o livro América Debilitada, do qual Trump é autor, com suas ideias, análises e o que pretende fazer. Julgo irracional repetir opiniões caricatas sobre o homem sem ler e examinar o que ele diz. Para opinar com base, sugiro pelo menos a leitura desse livro, pois é preciso ir além das notícias rápidas de telejornal.

No caso da mídia norte-americana, somente a opção ideológica e partidária pode explicar por que Donald Trump foi tão escrachado e Hillary Clinton foi tão poupada e aclamada, ao ponto de dizerem no próprio dia da eleição e após encerrada a votação que Hillary havia vencido. A mídia errou de forma acachapante, e a questão é: por quê? Aqui no Brasil, é quase unânime na imprensa a opinião contra Trump, sem muita originalidade em relação ao que vem dos Estados Unidos.

Trump vai acertar e vai errar, é claro. Obama também acertou e errou. A mídia teve enorme tolerância e boa vontade com Obama, e isso ajudou a amenizar erros graves que ele cometeu. Neste espaço, vou citar apenas uma questão polêmica de Trump: a imigração ilegal. Ele vem insistindo que seu ataque se dirige exclusivamente à imigração “ilegal”, que já colocou 11 milhões de estrangeiros ingressados clandestinamente nos EUA, dos quais 351 mil estão nas prisões por terem cometido algum crime no país.

Examinando esses e outros dados e as possíveis soluções, vejo que o assunto não é simples. Se a melhor solução é construir um muro de 1,6 mil quilômetros na extensão da fronteira sem policiamento, eu não sei, não tenho todos os elementos do problema nem me considero preparado para julgar e concluir. Ser contra ou favor a priori por antipatia ou engajamento ideológico é um exercício de leviandade intelectual. Sobre o que não conhecemos e não estudamos o suficiente, o melhor mesmo é fazer um voto de abstinência em matéria de opinião.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.
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