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Felipe Lima

Rio de Janeiro, fim de 2016. Conta o jornal O Globo: “Pela primeira vez, a digitadora Eliane Pereira, de 47 anos, não terá ceia de Natal em casa”. Servidora concursada da prefeitura de Belford Roxo, ela passou o ano recebendo salários atrasados. A situação foi tão dramática que Eliane precisou até mesmo de doações dos amigos e parentes para sobreviver. Na última sexta-feira, ela foi ao banco conferir se o salário do mês retrasado havia sido depositado. Saiu de lá desesperada mais uma vez. Eliane deixou de comprar remédios para não sacrificar a escola da filha e foi obrigada a deixar o apartamento em que morava, pois não tinha recursos para pagar o condomínio.

Curitiba, início de 2017. O município abre o ano com déficit orçamentário de R$ 2,1 bilhões, o que, trocando em miúdos, significa que nosso orçamento de 2017 simplesmente não dispõe desse valor para bancar compromissos administrativos e contratuais. Tal quantia significa nada menos do que quatro anos inteiros de arrecadação do IPTU.

Arrecadação, por sinal, que vem caindo em todas as frentes. Se em 2016 a situação já era complicada, em 2017 ela piorou. O somatório dos impostos próprios do município (IPTU, ISS e ITBI) é, em termos reais, menor nos dois primeiros meses de 2017 que em 2016. Curitiba também perde, ano a ano, parte da fatia do ICMS que lhe é destinada pelo estado, fruto da fuga de empresas antes sediadas aqui para outros municípios – caso, por exemplo, da Ambev.

É imprescindível que os interesses de determinados segmentos organizados não prevaleçam em detrimento de toda a sociedade

A falta efetiva desse dinheiro exige trabalho imediato da administração, uma vez que a situação compromete a manutenção de serviços essenciais à população, o pagamento de fornecedores e também as obrigações com o funcionalismo público, a exemplo do que aconteceu com a servidora Eliane, no Rio de Janeiro.

A crise, no entanto, não se resolve da noite para o dia. É urgente abordar os problemas de curto prazo, mas só isso não é suficiente. Curitiba precisa voltar a ter condições de viabilizar os projetos que trarão progresso na forma de obras e serviços adequados – sejam de pavimentação e de drenagem, sejam melhores condições nas escolas ou atendimento mais eficiente nos postos de saúde.

Esse é o objetivo final do prefeito Rafael Greca ao encaminhar à Câmara Municipal o Plano de Recuperação de Curitiba, um conjunto de 12 projetos de lei destinados a combater o grave quadro financeiro da cidade. Melhor que ninguém, o prefeito compreendeu a necessidade da correção de rota que levava a cidade à bancarrota – e orientou, de forma determinada, os meios para fazê-la.

Os projetos representam a continuidade da reforma administrativa que se iniciou com a redução do número de secretarias e de órgãos públicos. A criação da Lei de Responsabilidade Fiscal de Curitiba e as reformas da gestão tributária e da previdência do município – que passa também por modificações no instituto que administra o plano de saúde dos servidores – são imprescindíveis para recuperar a sustentabilidade financeira e orçamentária de Curitiba.

Não é só. Dentre as medidas propostas, seguiram também projetos que tratam do adiamento da data-base para o reajuste da remuneração dos servidores públicos e da implementação dos planos de carreira. A lógica é simples: somente há de se falar em aumento de despesas se a receita municipal comportar. Hoje não comporta – e certamente não comportava nem mesmo quando esses aumentos foram prometidos.

Talvez fosse mais conveniente – e menos desgastante do ponto de vista político – a simples postergação por tempo indefinido das promessas de governos passados e que não foram concretizadas. A sociedade, porém, não pode ser enganada. Tamanha irresponsabilidade cobraria elevado preço de todos nós, contribuintes, que seríamos obrigados a pagar por meio de precatórios a conta que nos foi legada, acrescida de juros e de correção monetária.

A Câmara Municipal tem, agora, a enorme responsabilidade e dever de escolher qual o futuro de Curitiba. É imprescindível que os interesses de determinados segmentos organizados não prevaleçam em detrimento de toda a sociedade.

A tragédia individual de Eliane, no Rio de Janeiro, representa a falência de um modelo estatal calcado na irresponsabilidade fiscal e na ausência de planejamento, especialmente no que diz respeito ao aumento desenfreado de despesas. Esse desditoso modelo, infelizmente, foi e tem sido replicado em outros municípios e estados da federação. Não pode ser essa a sina de Curitiba. A cidade há de ser maior que seus desafios.

Vitor Puppi Stanislawczuk, especialista em Direito Tributário e mestre em Direito pela Universidade da Califórnia, Berkeley, é secretário de Planejamento, Finanças e Orçamento de Curitiba.
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