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Quem acompanhou as celebrações dominicais destas últimas semanas talvez tenha percebido que, por várias vezes, o texto bíblico era tomado do evangelho de João. E, se observou um pouco mais, é até possível ter atinado para algumas imagens caras ao evangelista. Apenas para lembrar, eis algumas: “Eu sou o pão da vida”, “Eu sou a porta”, “Eu sou a luz”... Neste domingo a imagem proeminente é a do Pastor: “Eu sou o bom Pastor” (Jo 10, 11-18).

Quando se trata de “imagens”, as possibilidades de sentido se enumeram, dependendo muito de quem as interpreta. No caso do “bom pastor”, texto e contexto destacam particularmente o âmbito das relações: o bom pastor “dá a vida por suas ovelhas”; “conheço as minhas ovelhas”. Vale a pena, pois, voltar a atenção para essa perspectiva. Imaginemos um pastor bom: não golpeia seus animais; não os cansa; defende as ovelhas; procura-lhes boas pastagens, boas fontes. E elas confiam, deixam-se conduzir, procuram-no. E, por isso mesmo, não apenas sobrevivem. Muito mais: vivem.

Qual é a causa que nos move às mais elevadas renúncias?

Aprofundemos um pouco mais a nossa leitura, tentando superar o simples campo das imagens. “O bom pastor dá a vida por suas ovelhas. O mercenário, que não é pastor e a quem as ovelhas não pertencem, vê o lobo chegar e foge” (v. 11). O evangelista espera que seu leitor ou ouvinte perceba que, se seguir Jesus, não terá apenas um pastor a mais. Seguirá alguém capaz de “dar a vida” pelos seus. Afinal, “pastoreio” não é uma experiência tão somente funcional. Mais do que fazer, ou atuar, é preciso aprofundar relações a ponto de conferir sentido para a existência. Um pastor é tanto mais ele mesmo quanto mais amar as suas ovelhas. Ele vive para elas. Deixa-se pertencer a quem ama. Se o motivo da relação for outro que não o amor (as próprias conveniências, por exemplo), em momentos mais exigentes tudo se desfaz. .

Vale aqui recordar uma verdade simples e universal. Cada um de nós “pertence” a quem ama. É às ovelhas que pertence o bom pastor. Ele interpreta a si mesmo a partir delas. Sua vida é tanto mais rica de sentido quanto mais vive para elas. Entrega-se. No caso de Jesus Cristo, Filho de um Deus Pai amoroso, Ele fez de sua vida uma pertença e uma entrega plena por quem amava. Amava a todos. Até por quem o assassinava tinha palavras orantes de perdão.

Para cada um de nós fica sempre uma reflexão da qual nunca poderemos nos esquivar. E antes ou depois ela vai aflorar à nossa consciência. Para quem ou em favor de quem entregamos a vida? Por “entregar a vida” não se quer aqui falar de romantismos autorreferenciais. A intenção é outra. Talvez seja melhor mudar o questionamento. Qual é a causa que nos move às mais elevadas renúncias? Quem vive para o cifrão oferecerá suas melhores energias ao cifrão. Há quem faça isso em favor da fama. Há também quem faça o mesmo em favor de suas carreiras, de suas conquistas e projeções.

Jesus Cristo escolheu viver em favor daqueles a quem amava. A todos. Não tirou nada de ninguém e a todos se entregou com totalidade. Sua ressurreição foi a ressurreição do seu modo de amar. Eis aí o Bom Pastor.

Dom José Antonio Peruzzo é arcebispo de Curitiba.
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