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 | Antônio More/Gazeta do Povo
| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Após tantas investigações policiais e diversos processos criminais já instaurados, importante refletirmos sobre as possíveis consequências institucionais do complexo e sinuoso mecanismo de combate à corrupção atualmente em curso no Brasil. Inicialmente, oportuno destacar que crimes de poder são cometidos justamente na crença da impunidade dos poderosos. Sem cortinas, quando a política se une ao dinheiro, o céu desce à terra, anestesiando o espírito crítico e calando a razão pensante. Nesse ambiente transcendental, corruptos e corruptores passam a cheirar cifras como se fossem cocaína, caindo, na primeira inalação, em dependência profunda. Depois, criam um mundo próprio, pensam que não existem leis e vivem como se não houvesse o amanhã.

No chão da vida real, o jogo, além de fechado, é extremamente pesado. O cartel do poder é controlado por poucos; gente que não confia em ninguém e que chega a dormir de olhos abertos. Vivem grampeando uns aos outros, na expectativa de descobrir segredos ocultos para melhor barganhar na hora da partilha dos lucros ilícitos. Vejam que o governo é a maior empresa do Brasil; arrecada quase 40% do PIB nacional; é dinheiro que não acaba nunca, embora alguns heróis tenham conseguido a recente façanha de quebrar o país. Ora, onde sobra ganância, geralmente falta inteligência.

No lado corruptor da jogatina, temos alguns anjos profanos do mercado. Gente que gosta de falar de livre concorrência, mas que faz de tudo por um protecionismo para si. Segundo consta, até medidas provisórias foram compradas no balcão de negócios de Brasília S/A. Sim, a sociedade do poder é anônima, mas seus dividendos são certos e determinados. Objetivamente, não há livre mercado no Brasil. A retórica liberal não passa de um sonho distante. Nosso sistema econômico é dominado por senhores feudais que, de tempos em tempos, vão dando migalhas para os vassalos obedientes. Assim, a estrutura de dominação vai sendo perpetuada, com concessões pontuais para os amigos do rei.

Gente que gosta de falar de livre concorrência faz de tudo por um protecionismo para si

Aí, surgiu uma inesperada Operação Lava Jato que implodiu as peças do cassino brasileiro. A correria tem sido grande. Mas o que houve, afinal? Simples: acharam o fio da meada e resolveram espremer o lado que não tinha foro privilegiado. Após o insucesso das muitas tentativas de panos quentes, a ponta corruptora começou a falar. E, quando o pacto de silêncio é rompido, o esquema desaba em efeito dominó.

Aqui chegando, a colenda suprema corte fica numa situação de extremo desconforto. Sabidamente, a corrupção é um crime de duas pontas e, se o lado corruptor já disse que pagou e mostrou as provas do pagamento indevido, não há como deixar de condenar a face corrupta do poder. No entanto, os processos contra políticos andam devagar, quase parando. E isso não é bom para um país com urgente necessidade de imediata moralização da vida pública nacional. No cair do sol, fica a impressão de que o foro privilegiado seria uma espécie de manto de impunidade, protegendo a classe política da aplicação pura e simples da lei. O tema é complexo e não se exaure em algumas linhas; todavia, não podemos mais fechar os olhos para nítidas assimetrias do sistema de Justiça.

De tudo, resta a clara evidência de que o equilíbrio corrupto está rompido. Temos, portanto, uma janela de oportunidade para a implementação de medidas tópicas com vistas a proporcionar maior lisura e qualidade na atividade política. Todavia, a corrupção é uma engrenagem delitiva permanente que, na primeira brecha, volta a se estabelecer, cavando raízes profundas. O combate eficaz à desonestidade pública exige a constituição de instituições fortes, sérias e independentes. Mais que personalidades passageiras, precisamos de uma institucionalidade estável. Isso porque o desenvolvimento socioeconômico duradouro tem como pressuposto básico o estabelecimento de um corpo institucional competente e alheio aos fugazes interesses da política pequena.

O processo de depuração institucional em curso no Brasil poderá mudar a cara de nosso país. Além da ação saneadora da Justiça, será imprescindível a energia do civismo ativo e responsável. A força das ruas é absolutamente fundamental para emparedar a política estabelecida. Os castelos do poder tremem quando as pessoas decidem marchar pela verdade, pela ética e pela decência das instituições. Durante muito tempo esperamos respostas da política, mas só recebemos o silêncio do nada. Tal letargia cívica não pode continuar. A democracia, em vez de espera, exige ação. E será dando voz aos nossos descontentamentos e insatisfações que enfrentaremos o silêncio opaco dos incompetentes que nos governam.

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado.
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