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A sociedade tem considerado o crescimento econômico como meio imprescindível para o desenvolvimento. Na prática, a sociedade – e principalmente os economistas – tem usado uma medida puramente quantitativa, o Produto Interno Bruto, para avaliar um resultado qualitativo, o esperado desenvolvimento. O crescimento de uma economia tem sido verificado com base na variação porcentual do PIB total ou por pessoa. Desse modo, países ou regiões que registrem elevadas taxas de crescimento do PIB total ou por pessoa estariam avançando mais para alcançar o desenvolvimento.

O PIB não foi criado para avaliar desenvolvimento, um fenômeno exclusivamente qualitativo, mas apenas para revelar o valor do produto econômico de uma região ao longo de determinado período. Infelizmente o debate em curso no Brasil, acalorado nos últimos dias com a proposta de “reindustrialização” e as múltiplas receitas para retomarmos a trajetória de crescimento, ignora essa distinção em sentido mais amplo. Isso porque todo crescimento é material, sugerindo, portanto, que a sua realização exige um fluxo material e energético e a geração inerente de resíduos. Isso significa que todo crescimento econômico é acompanhado de um custo de oportunidade associado ao uso dos recursos naturais como fonte ou como depósito de resíduos, mas que no momento tem sido ignorado por nossos analistas. No debate qualquer crescimento é bem-vindo, mas isso é verdade?

Desde a década de 1970 a sociedade tem usado recursos naturais renováveis além da capacidade de suporte do ecossistema

As discussões a respeito da degradação ecológica e social em voga no século 21 têm revelado que o crescimento tem sido sustentado a custos ecológicos e sociais crescentes. Todos sabem que não existe “almoço grátis”, mas a sociedade e nossos analistas têm desviado o olhar quando chamamos a atenção para a conta do crescimento. Recente estudo da Firjan revelou que o custo do congestionamento no Brasil alcança 4,4% do PIB. Estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que 7 milhões de pessoas morreram por doenças associadas à poluição atmosférica em 2012. O Ipea apresentou um estudo mostrando que o custo dos acidentes de trânsito em rodovias federais no Brasil foi de R$ 12 bilhões em 2014.

Esses estudos apenas revelam algo amplamente discutido entre os economistas ecológicos; desde o século 20 – em função da escala da intervenção da sociedade no ecossistema global – os custos são crescentes. Os relatórios da Pegada Ecológica Global mostram que desde a década de 1970 a sociedade tem usado recursos naturais renováveis além da capacidade de suporte do ecossistema. Há 40 anos a sociedade está usando a “poupança natural”, fonte de provimento de todos os recursos naturais renováveis. Neste aspecto, a cada dia se torna mais necessário reverter esse quadro, o que implica adotar um novo modelo de desenvolvimento na redução no ritmo de crescimento global ou agregado, que tenha por objetivo principal a redução das profundas desigualdades sociais e regionais. É preciso discutir que países, regiões e setores ainda precisam de crescimento. Essa é uma discussão qualitativa do crescimento ignorada pelos analistas e no campo político.

Na tentativa de avaliar se o crescimento brasileiro tem contribuído para o aumento do bem-estar da sociedade, em um trabalho publicado na edição de outubro deste ano da revista Ecological Economics – “Estimating the Genuine Progress Indicador (GPI) for Brazil from 1970 to 2010” –, identificamos que os custos do crescimento brasileiro têm aumentado desde 1970 a um ritmo mais rápido que seus benefícios.

A lógica do Índice de Progresso Genuíno (GPI, na sigla em inglês) é retirar da conta do PIB aquilo que pode ser considerado uma externalidade negativa do crescimento econômico. O resultado é uma avaliação mais clara de qual é a real contribuição da expansão do PIB para o aumento do bem-estar econômico da população. Em última instância, o GPI nos mostra até que ponto o crescimento é genuinamente “econômico” e quando ele passa a não mais ser desejável, isto é, “antieconômico”.

Se a trajetória identificada pelo nosso estudo for mantida, o crescimento da economia brasileira poderá entrar em uma fase “antieconômica”, quando os custos são maiores que os benefícios, e o país ainda não terá proporcionado a universalização de direitos sociais básicos e da satisfação de necessidades mínimas da sociedade. Por isso consideramos absolutamente vital que haja um debate qualitativo do crescimento brasileiro no século 21, em especial em termos de aumentar a eficiência no uso de matéria e energia na produção e no consumo, sem perder de vista que a tecnologia não é uma tábua permanente de salvação. Neste sentido, que o debate sobre as estratégias de saída da crise que abate a sociedade brasileira e a retomada do desenvolvimento não se furte de incorporar essa perspectiva econômico-ecológica, considerando as seguintes questões: Qualquer crescimento é bem-vindo? Qual “reindustrialização” devemos estimular? Quais regiões brasileiras ainda precisam de crescimento? Quais setores mais contribuem para o bem-estar social? Em resumo, precisamos considerar o aspecto qualitativo do crescimento no século 21.

Junior Ruiz Garcia, doutor em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente, é professor do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Econômico do Departamento de Economia da UFPR. Daniel Caixeta Andrade é professor do Programa de Pós-Graduação em Economia do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia.
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