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Felipe Lima

O Ministério da Saúde e a Anvisa, por meio de um dos portais informativos do governo, o Portal Brasil, orientam os candidatos a doadores de sangue sobre quais são os pré-requisitos, os impedimentos temporários e os impedimentos permanentes para a doação. Entre os impedimentos temporários estão: estar grávida ou amamentando, ter ingerido bebida alcoólica nas últimas 12 horas, estar resfriado e ter se envolvido em comportamento sexual de risco nos últimos 12 meses. Não há menção a orientação sexual. Entre os comportamentos sexuais de risco estão relação sexual desprotegida com indivíduos portadores de doença sexualmente transmissível, múltiplos parceiros, relação sexual acompanhada do uso de álcool e drogas e sexo anal. E nesse ponto se concentra a polêmica em torno da recusa dos bancos de sangue em receber doações de homossexuais.

Essas regras foram criadas para diminuir o risco de transmissão de Aids e hepatites através da transfusão de sangue. É fato que a relação sexual anal receptiva traz um risco maior – dez vezes maior que o sexo vaginal receptivo – de contrair HIV. Esse é um dos motivos pelos quais 10,5% dos homossexuais brasileiros têm HIV, contra 0,45% da população geral, segundo estudo publicado em 2010. Na década de 90, os testes para identificar o sangue contaminado podiam falhar nos primeiros seis meses após o contágio, na conhecida “janela imunológica”. O objetivo da avaliação de risco e da criação dessas condições de impedimento era diminuir a chance de que uma pessoa recém-contaminada passasse pelos testes e a bolsa com o sangue desse doador fosse infundida em um paciente.

Rotular um indivíduo baseado nas características do grupo ao qual ele pertence é errado e injusto

Em 2014, o Ministério da Saúde tornou obrigatória a testagem do sangue com um método que identifica o ácido nucleico do vírus (que pode ser entendido como o seu “DNA”) e não apenas com pesquisa de anticorpos, como vinha sendo feito. Esse teste encurta o período de falha para dez dias, o que obviamente diminui muito a chance de que alguém na janela imunológica seja considerado apto para a doação.

Outro ponto importante: alguns fatores podem diminuir o risco de transmissão entre os homossexuais, como a participação em relações monogâmicas estáveis e o uso de preservativos. Um casal de homossexuais em uma relação fiel e duradoura não tem mais chance de contrair HIV que os seus vizinhos idosos que completaram bodas de ouro.

Apesar de os homossexuais, como grupo, apresentarem um risco maior de serem portadores do vírus da Aids, isso não se aplica ao indivíduo. Rotular um indivíduo baseado nas características do grupo ao qual ele pertence é errado e injusto. Estamos acostumados a isso. Não preciso repetir aqui outros exemplos de rótulos e estereótipos baseados em cor da pele, gênero, idade, indumentária e não preciso lembrar o leitor de como eles falham em caracterizar um indivíduo.

Nos últimos anos, assistimos a um aperfeiçoamento nos métodos de rastreio de doenças transmissíveis nas doações de sangue. Ao mesmo tempo, há um aumento da sensibilidade da sociedade em relação a assimetrias na relação do governo e empresas com minorias de todos os tipos. Parece-me, portanto, que uma abordagem mais aberta e justa dos bancos de sangue em relação aos homossexuais é mais humana e reflete a imagem de um pais moderno e justo que todos queremos para nossos filhos.

Marcelo Abreu Ducroquet é professor de Infectologia na Universidade Positivo.
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