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 | Hugo Harada/Gazeta do Povo
| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

Muito oportuna a intervenção do admirável professor René Ariel Dotti nesta seção da Gazeta do Povo, com a publicação do artigo “O atentado fascista na universidade” na quarta-feira. Seria formidável que a sua atitude desencadeasse atitudes idênticas por parte de personalidades de igual sabedoria acadêmica e estatura moral e política, a fim de qualificar os debates públicos sobre as recentes medidas do governo federal no campo das políticas públicas de educação, saúde, e ciência e tecnologia. Contudo, mesmo tendo aprendido bastante com as suas primorosas informações e admiráveis reflexões, tomo a liberdade de delas discordar num de seus menores segmentos.

O trecho a que me refiro é a reprovação do professor Dotti à “tentativa de dissuadir os invasores, promovendo um tipo de ‘diálogo entre a corda e o pescoço’, em vez de acionar o Judiciário”. Difícil saber exatamente o que pretendia o professor com a sua metáfora do “diálogo entre a corda e o pescoço”, mas, a contar por um outro artigo de sua autoria, que leva exatamente a expressão como título, ele provavelmente estava a se referir a um “desequilíbrio de armas”. No caso em questão, um desequilíbrio de armas entre os invasores e aqueles que os tentaram dissuadir. Se for assim, a reprimenda do professor Dotti está endereçada à inépcia dos gestores da UFPR (o pescoço), que optaram pelo diálogo sem perceber o desequilíbrio de forças a favor dos invasores (a corda).

Para que haja diálogo, deve haver simetria entre os que dele participam

Ora, equivoca-se quem pensa que a universidade possa existir sem ter o diálogo como a sua regra básica de convivência. E, para que haja diálogo, deve haver simetria entre os que dele participam. Essencializar sempre foi o caminho mais curto para o preconceito, a intolerância e a violência simbólica. Numa relação dialógica, não pode haver distância e diferenças determinadas por lugares essencialmente distintos. A simetria exigida entre os sujeitos da prática educativa já foi cristalinamente apanhada pela prosa de Guimarães Rosa: “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”. Nada de essências eternas; nada de lugares naturais. A prática educativa exige sujeitos dispostos a dialogar e a abandonar sua zona de conforto cognitiva e prática.

Agiram muito bem os gestores da UFPR, particularmente a reitoria e a direção do Setor de Ciências Jurídicas, quando pautaram as suas ações por essa moral universitária e educativa. Os ditos invasores eram, de um modo ou de outro, nossos estudantes. E, tão logo o caso pôde ser tratado com um mínimo de razoabilidade, eles não se recusaram ao diálogo, nem impuseram sua vontade acima das necessidades da instituição.

Não se quer, assim, desconhecer que houve momentos de tensão e conflito, quando a atmosfera de razoabilidade desceu a níveis insuportáveis. Seria aqui, enfim, o momento de “acionar o Judiciário”, conforme reivindica o ilustre professor? Tampouco se pode aceitar que fosse esse o caso. As razões são as mais variadas possíveis. Mas uma sobressai às demais, em vista do que se disse acima.

Lamentavelmente, em nosso país, talvez não haja um palco de relações mais assimétricas e antirrepublicanas que a esfera do Judiciário. Instituições do Estado como a universidade têm à sua disposição exímios operadores do direito e a irrestrita atenção dos tribunais. Nada mais justo. Mas cabe à universidade ter sabedoria para empregá-lo a seu favor. Acionar o Judiciário – isto é, mobilizar esse seu patrimônio moral e jurídico contra seus próprios estudantes – jamais poderá ser a primeira ou a única medida a ser tomada. A melhor resposta a qualquer tipo de atentado que venha a sofrer a universidade não pode deixar de ser o exercício incondicional daquilo que ela deve irrestritamente à sociedade que a mantém: a educação.

Eduardo Salles O. Barra é professor de Filosofia e diretor do Setor de Ciências Humanas da UFPR.
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