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A desmoralizar pesquisas e alentadas previsões, os conservadores britânicos acabam de ganhar as eleições para renovar a Câmara dos Comuns, com a consequente escolha do primeiro-ministro. Passado o certame, a aluvião de votos de separatistas escoceses, ao lado do pífio desempenho de trabalhistas surpreende e preocupa, no cenário da exemplar democracia que se debate de crise em crise, com diferentes dilemas, como o pertencimento à identidade europeia e os separatismos internos.

É salutar lembrar que Londres está na Europa, mas não no euro

Com milhões de pessoas abaixo do nível de pobreza a enfrentar a sina cotidiana de dever escolher entre alimentação ou calefação, os britânicos parecem ter preferido continuar com o mal conhecido do governo, a ter de trilhar promessas de obscuros opositores desconhecidos. E se a receita de Cameron tem sido a impopular austeridade, a aventura de projetos impossíveis dos trabalhistas tampouco seduziu.

Em meio a agenda eleitoral plena de itens explosivos, como o questionamento da permanência na União Europeia, o tema acabou por transformar-se em baluarte de campanha, com a promessa de plebiscito em dois anos. Se falar de separatismos perto de escoceses sempre causa animada conversa, o Scottish National Party sorriu para a vitória de Cameron e de seu insinuado discurso. Afinal, há outro escrutínio de independência em vista, só que de Edimburgo em relação a Londres. Enquanto a independência da Escócia não parece algo tão improvável, a defecção britânica da União Europeia soa, ao contrário, como mera bravata de campanha à la grega, nos moldes do partido Syriza e de seu Alexey Tsipras. No caso helênico, em que foram formuladas vãs promessas de ruptura com a União Europeia, passada a eleição, nada ocorreu, senão a resignada adequação às regras do jogo: não basta tirar a gravata para não continuar enforcado.

A considerar o caso britânico, vistas as proporções e superadas as emoções, pouco de racional haveria em discurso questionador acerca da permanência do Reino Unido na União Europeia. São tantos os interesses a perpassar nos dois sentidos do Canal da Mancha, versados em geografia e economia, que limitados são os espaços de escolha. Sem tomar em conta que a ideia força de bloco econômico com supranacionalidade surgiu em Londres, como fatalidade ou destino, ainda em meio à Segunda Guerra, quando a França Livre funcionava improvisada no basement da BBC.

No que concerne ao discurso populista anticrise, sempre é salutar lembrar que Londres está na Europa, mas não no euro; logo, com plena autonomia para fazer política monetária, como não se permite aos outros mortais presos a Bruxelas. Logo, fracassos econômicos podem possuir raízes nacionais, frutos de erros e de compadrios populistas, pelo que, ao final do dia, alguém deverá pagar.

Agora, diante do dilema clássico do bardo de Stratford-upon-Avon, Cameron deverá repaginar sua promessa de aparente adesão eurocética. Estar na União Europeia é falso dilema, diante de desafios vertiginosos de recessão crônica, de crise econômica que não veio pelo Eurotúnel. E não será surpresa se o chanceler tiver de antecipar o polêmico referendo prometido para perder e resolver logo o impasse que criou, por mera conveniência eleitoral. O resto é silêncio.

Jorge Fontoura, doutor em Direito Internacional, é membro do Tribunal Permanente do Mercosul e professor titular do Instituto Rio Branco.
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