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“Bloco proíbe que crianças brinquem em área comum no DF”, diz a matéria em um site de notícias. Tudo porque o regimento do condomínio prevê tal proibição. A síndica diz que a área não é pública, governo e especialistas dizem que é. Argumentos para lá e para cá dizem que em Brasília não há lotes, e sim projeções – os pilotis do prédio são sempre públicos; dizem que as brincadeiras das crianças afetam outros moradores; dizem que a ideia dos pilotis é vanguarda da arquitetura – baseada em Le Corbusier – e inspirou Burle Marx, Niemeyer, Lúcio Costa. E lá estão as redes sociais para pôr mais lenha nessa fogueira. Mas o que ficou fora da discussão, e que é o mais importante, foi a negação do direito de as famílias serem o que devem ser: famílias.

Discussão totalmente diferente seria se um síndico de prédio comercial apresentasse objeção para que crianças circulassem em área comum – brincando ou correndo – por motivos de segurança, por se tratar de ambiente de trabalho, por respeito a normas de comportamento social. Não é esse o caso. O caso é que famílias estão sendo constrangidas, em suas residências, por terem filhos, que de maneira natural e desejável estão exercendo o direito de serem crianças. Exigir outra coisa é um total desrespeito à criança, à família, à sociedade.

Todos nós temos o direito de constituir família, e merecemos respeito ao decidir por isso

Esse caso é sintoma de um problema de fundo: a desvalorização da família. Outros sintomas são a crise demográfica – que causou uma forte queda na taxa de fertilidade no Brasil nos últimos anos, agravando a crise previdenciária –; a desvalorização da mulher no mercado de trabalho, revelada no medo de a mulher engravidar, tirar licença, cuidar da família; e a fragilidade das relações (é muito mais fácil separar do que casar). Apple e Facebook pagam para suas funcionárias congelarem seus óvulos: “Tenham filhos, mas não agora”; “Tenha uma carreira ou cuide de seus filhos”. Atitudes como essas exercem pressão contrária ao engajamento familiar, à conciliação entre tempo de trabalho e tempo de família, à geração de filhos.

A Constituição brasileira diz que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. A Convenção Sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral da ONU e ratificada pelo Brasil, diz em seu preâmbulo que “A família, como grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve receber a proteção e assistência necessárias a fim de poder assumir plenamente suas responsabilidades dentro da comunidade”. A Lei 13.257/16 fala ainda em “prioridade absoluta em assegurar os direitos da criança, do adolescente e do jovem (...) visando a garantir seu desenvolvimento integral”.

Reverter esse quadro não é fácil, e envolve aspectos culturais e políticos. Políticas que envolvam flexibilidade no trabalho, como para assistir a apresentações dos filhos na escola, horários flexíveis de entrada e saída, teletrabalho. Apoio às famílias que desejem livremente ter seus filhos, com a realização de pré-natal e licenças-maternidade e paternidade adequadas.

Mudar o campo cultural é mais difícil, e é o que resolveria verdadeiramente o nosso problema inicial, como a valorização das crianças e da relação entre pais e filhos. Casar não é fácil, ter filhos não é fácil. Por que não podemos apoiar quem já assumiu esse papel social? Todos nós temos o direito de constituir família, e merecemos respeito ao decidir por isso.

Que tipo de barulho se deve esperar de um condomínio residencial? De amigos conversando, risos de pessoas felizes, comemorações, conversas de corredor e, principalmente, oras, barulho de crianças brincando. Para mim, particularmente, quanto mais, melhor.

Francisco Augusto Garcia é especialista em políticas públicas para primeira infância.
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