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| Foto: Marrovi/Wikimedia Commons

O verão europeu de 2017 ficará marcado pela emergência de um novo fenômeno social, a turismofobia, associado a manifestações de repúdio à presença de turistas em diversas cidades. A fobia é uma aversão exagerada a algo ou alguém – neste caso, o alvo são os turistas. O fato é que o turismo, por mais que seja caracterizado como uma atividade dinâmica e que traz riquezas aos locais que são destinos dos viajantes, alardeado como uma verdadeira indústria sem chaminés, também traz problemas para as comunidades quando mal planejado.

O turismo é hoje uma das principais atividades econômicas do planeta, considerado como uma das mais importantes geradoras de emprego e renda. Tem sido o instrumento utilizado por diversas localidades para promover o desenvolvimento local pela sua característica de envolvimento de toda a comunidade, que pode se beneficiar do fluxo sazonal de turistas. No entanto, neste ano os problemas sociais vinculados ao turismo afloraram de tal maneira que não se pode ignorá-los.

O problema foi provocado pelo excessivo número de viajantes em algumas cidades, provocando o colapso em diversos serviços essenciais e o aumento abusivo nos preços do aluguel de residências e de produtos oferecidos pelo comércio. Em um primeiro momento, as cidades recebem os turistas com euforia, sem controle do fluxo de visitantes; quando o volume excede sua capacidade de suporte, tudo desemboca para o conflito. Contribui também para essa situação a falta de civilidade de muitos turistas: mau comportamento, falta de educação e manifestações ruidosas prejudicam a convivência harmônica com a população local.

A turismofobia é decorrência da falta de planejamento de uma política turística que não define com clareza a capacidade dos destinos

O noticiário recente mostra que a situação tem se agravado em algumas cidades, traduzindo-se em agressões aos turistas. Em Barcelona, que recebe 23 milhões de turistas por ano (18 milhões de estrangeiros e 5 milhões de espanhóis) e tem população de 5 milhões em sua área metropolitana, as manifestações têm sido particularmente violentas, com pichações em muros, manifestações de rua e atividades repentinas para assustar os viajantes. A população reclama da dificuldade em alugar imóveis para moradia, pois para os proprietários é mais vantajoso oferecê-los aos turistas, que pagam até quatro vezes o valor de um aluguel convencional.

O turismo se generalizou como atividade de lazer e entretenimento; já não é patrimônio de uma elite, popularizando-se de tal modo que é acessível à maioria da população. É decorrência direta da emergência de uma classe média global e do baixo custo das companhias aéreas e dos meios de hospedagem. O que antes era um privilégio agora é percebido como uma necessidade, física e mental, e quase um direito, convertendo-se em um hábito social. Por essa razão não é difícil prever que o turismo continuará crescendo.

No passado, os turistas tinham determinados lugares para ficar e visitar nas cidades; atualmente, se misturam com as pessoas das comunidades locais. É um fato positivo, pois eles se mesclam com pessoas de origem e culturas distintas, levando ao enriquecimento cultural e ao aumento da tolerância para com o outro. No entanto, ocorrem excessos, resultando em atrito provocado quando aquele que vem de fora não respeita os códigos de comportamento da comunidade residente, muitas vezes porque os desconhece. Essa falta de civilidade é repudiada na maioria dos destinos, revela falta de educação e desrespeito aos hábitos e costumes locais.

Leia também:A hora e a vez do turismo (artigo de Marx Beltrão, publicado em 19 de outubro de 2016)

Leia também:Em busca do legado perdido (artigo de Dario Paixão, publicado em 27 de abril de 2017)

A turismofobia é decorrência da falta de planejamento de uma política turística que não define com clareza a capacidade dos destinos, de tal modo que a comunidade local receba os benefícios da atividade e não os problemas que podem descaracterizar a localidade, tornando-a mesmo pouco atrativa para futuros visitantes. Uma política pública de turismo sustentável deve levar em consideração não somente o aspecto quantitativo de aumento do fluxo turístico, mas privilegiar a qualidade da visitação tanto no que diz respeito ao turista quanto à comunidade local.

O modelo tradicional do turismo de massa se caracteriza pela monocultura turística, privilegia a indústria turística e ignora a necessidade de manter a qualidade de vida da população local. Esse turismo de negócios deve ser substituído por uma política pública de turismo visando sua sustentabilidade, que privilegie a manutenção da qualidade de vida, da cultura e da natureza local, que na realidade formam o atrativo que permitiu o afluxo de visitantes a essas localidades. Não é demais repetir: sem planejamento público não há atividade turística sustentável.

Reinaldo Dias, sociólogo, mestre em Ciências Políticas e doutor em Ciências Sociais, é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor de livros na área de turismo.
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