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A educação visa “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, diz a LDB. Vejamos estas metas.

A ideia de “pleno desenvolvimento” remete ao conceito aristotélico de felicidade, realização pessoal, que está em viver de acordo com o que nos é mais próprio: a razão. E isto não por força de uma norma extrínseca, mas porque esta é nossa condição: a inteligência capta a própria realidade, mas não imediatamente o que ela é, nem o que fazer com ela. A inteligência nos lança ao exercício da deliberação, pois não temos instintos capazes de determinar a nossa conduta. A realidade aparece como algo a ser dotado de sentido e como possibilidade a ser apropriada, sem uma direção prévia: surge a liberdade. Educar para a felicidade seria, assim, educar para um uso responsável da razão e da liberdade: procuro optar pelo que me parece razoável e bom, à luz da atenta observação da realidade, do estudo e da reflexão? Sou humilde para reconhecer meus erros e retificá-los?

O educando deve ser preparado para, na empresa, no serviço público, autônomo ou do lar, desdobrar seus dons, aplicar os conhecimentos recebidos, estabelecer amizades, produzir riquezas que reverterão a toda a sociedade

Pela inteligência também estamos abertos aos demais inteligentes, vemo-los não só como “outros”, mas como outros “de nós” (nossa dimensão social). E que devemos nos apropriar socialmente das possibilidades herdadas da tradição (nossa dimensão histórica) para elaborar nossos modos pessoais e nosso modo comunitário de estar no mundo. As figuras de felicidade pessoais não podem ser obstáculo para o bem comum. A “pessoa” é um indivíduo aberto à comunidade, a qual é construída de modo interdependente. A formação deve levar o educando a perguntar-se (não se trata de um momento cronologicamente ulterior ao da formação para a felicidade, mas de um aprofundamento nas perguntas formuladas acima): minhas opções levam em conta os demais? Ajudam as possibilidades alheias ou as prejudicam? Sou capaz de reparar os danos e pedir perdão? Ajudo outras pessoas a se descobrirem autônomas e corresponsáveis pela sociedade?

Pela inteligência, damo-nos conta da realidade e das demais pessoas, e descobrimo-nos chamados a transformar, juntos, a realidade, através do trabalho, âmbito de realização pessoal e de exercício da cidadania. O educando deve ser preparado para, na empresa, no serviço público, autônomo ou do lar, desdobrar seus dons, aplicar os conhecimentos recebidos, estabelecer amizades, produzir riquezas que reverterão a toda a sociedade, lidar com dificuldades e até injustiças que clamarão por uma mais ativa participação política, dar testemunho de honestidade etc. E aí a pessoa deverá se questionar: faço bem o meu trabalho, consciente da minha responsabilidade pessoal e de sua repercussão social? Faço-o com espírito cooperativo? Meu fim é meramente o dinheiro, ou inclui formalmente o crescimento pessoal meu e daqueles que usufruirão do fruto do meu trabalho? Meu trabalho é honesto, ajuda outras pessoas a serem mais livres e a exercerem sua cidadania, ou gera cadeias que as oprimem?

Assim, a meta da educação é a felicidade que decorre de um exercício responsável de nossa razão e liberdade, numa abertura à realidade dos demais que inclui o respeito pela sua liberdade e a luta pelo seu crescimento pessoal, e no trabalho transformador, que cria condições propícias à vida feliz.

Joathas Soares Bello, doutor em Filosofia pela Universidade de Navarra, é professor da Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro, do Instituto Filosófico e Teológico São José do Seminário Arquidiocesano de Niterói e da Faetec-RJ.
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