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O espião israelense Jonathan Pollard, preso em 1985 e condenado à prisão perpétua em 1987, nos Estados Unidos, foi libertado na manhã do último dia 20, anunciou a polícia israelense em comunicado. Pollard, ex-analista da inteligência da Marinha americana, é preciso que se diga, teve papel fundamental no desdobramento de silenciosos ataques travados cirurgicamente nos anos 80 por Israel às instalações de beneficiamento de armas de destruição em massa no Oriente Médio.

Mas isso só foi possível porque Jonathan Pollard percebeu que muitas das informações como fotos de satélites, mapas e informações confidenciais (assim classificadas) e que faziam referência a centrais logísticas e de fabricação de armas químicas e biológicas na Síria, na Líbia e, em especial, reatores nucleares para enriquecimento de urânio no Iraque com o propósito de atacar Israel eram vistas com distância pela política internacional do então presidente Ronald Reagan. Tais documentos também incluíam o projeto de armamento de míssil balístico que alcançaria Tel-Aviv e a Europa, visando atacar alvos civis.

Apesar dos vários acordos de cooperação assinados entre Estados Unidos e Israel, em especial o Memorando de Entendimento – Iniciativa de Cooperação e Estratégia de Defesa, assinado em 1981 e pelo qual o pequeno Estado passaria ser o maior aliado dos Estados Unidos no Oriente Médio, Pollard entendia que, ao não ser informado de tais ameaças, Israel estava sendo privado das informações fundamentais que lhe garantiriam possibilidade de autodefesa e que poderiam colocar milhares de vidas em risco.

Para Pollard, um americano nascido no Texas em 1954 e de origem judaica, o dilema estava armado. Faz-me de alguma maneira lembrar o livro A Escolha de Sofia, que virou filme estrelado por Meryl Streep, em que uma prisioneira polonesa do campo de concentração de Auschwitz recebe a terrível e inumama possibilidade de escolher um “presente” dos nazistas: entre salvar o filho ou a filha, qual deles será executado e qual deles sobreviverá? Ela escolhe o menino, que é mais forte e tem mais chances na vida, mas nunca mais teria notícias dele. Atormentada, Sofia acaba se matando anos depois.

Já de posse das informações, Israel, por ordem do primeiro-ministro Menachem Begin, guiou-se por esses dados, que incluíam mapas e fotografias de satélites, e, cirurgicamente, atacou e destruiu instalações de um reator nuclear de 70 megawatts, localizado 28 quilômetros ao sul de Bagdá, capaz de enriquecer urânio e produzir uma bomba equivalente à utilizada em Hiroshima. Foi o primeiro ataque aéreo a instalações nucleares da história. Um número não revelado de aviões F-15 e F-16 destruíram pontualmente os alvos ordenados e retornaram à base em segurança.

Em 1985, o contrariado governo norte-americano descobriu o vazamento de documentos pelas mãos de Pollard, e com isso armou-se uma das maiores zonas de tensão na relação da grande aliança americana-israelense. Pollard tinha instruções do governo sionista: se fosse descoberto, deveria buscar refúgio na embaixada de Israel em Washington, o que ele fez imediatamente. No entanto, quando Pollard e sua ex-mulher chegaram à embaixada, foram deliberadamente entregues ao FBI. Israel não poderia cooperar com quem traiu seu maior aliado: “O inimigo do meu amigo será meu inimigo”.

Haveria agido corretamente o ex-agente por quebrar as regras do jogo e, possivelmente, salvar milhares de pessoas?

Pollard nunca teve um julgamento, mas foi levado à prisão perpétua, tendo cumprido 30 anos de pena até sexta-feira passada. Durante sua defesa, alegou insistentemente em suas petições que havia levado a seus superiores da inteligência naval americana a necessidade de informar ao pequeno Estado aliado o perigo iminente das armas de destruição em massa que estavam sendo desenvolvidas ; como resposta, Pollard ouvira que “judeus se apavoravam quando ouviam falar em gases químicos”. Ele foi submetido por nove meses ao detector de mentiras; o FBI constatou que sua causa não era por dinheiro, mas ideológica. Que Jonathan Pollard cometeu crime de quebra de confidencialidade por entender que essa era a única maneira de defender Israel.

Pollard realmente foi um idealista em sua guerra solitária. Um lobo solitário do bem. Um herói traidor que salvaria seu filho Israel dos nazistas, mas condenaria sua filha liberdade à prisão perpétua.

Muitos foram os movimentos que se formaram para libertar Pollard. Presidentes como Bill Clinton trataram de conceder perdão – neste caso, a pedido de Yitzhak Rabin, à época primeiro-ministro de Israel. Mas, depois do assassinato de Rabin, Clinton desistiu de sua promessa por alguma razão. Outras tentativas de troca de prisioneiros foram esboçadas pelo sucessor de Rabin, o primeiro-ministro Shimon Peres, mas sem sucesso.

Na década de 2010, eu vivia nos Estados Unidos e, juntamente com alguns amigos e a comunidade do Norte de Miami, fizemos um abaixo-assinado com mais de 10 mil assinaturas e o enviamos à Casa Branca. Inúmeras foram as iniciativas como a construção de sites e o envio de representantes da sociedade civil à Casa Branca, mas nada surtiu efeito.

Em junho de 2008, fui a Israel junto com uma comitiva de empresários que tinha como parte da agenda uma visita à casa de Peres, então presidente de Israel. Uma vez na sala de reuniões, acerquei-me ao presidente e fiz a seguinte pergunta: “Sr. Peres, sendo nosso povo um povo que não se esquece de seu passado, que respeita democraticamente todas as tradições, as crianças, as mulheres e anciãos, mas principalmente seus heróis como Abraão, Isaac, Jacó, Moisés e Davi, como pode ser possível que deixemos Pollard para trás?” Ele me respondeu: “Sr. Nigri, esta questão é muito complicada para lhe explicar apenas nesta audiência”. E assim, diante dos enfezados agentes do Mossad com cara de ninjas prestes a atacar, retirei-me para voltar ao Estados Unidos de mãos vazias.

Já se foram 30 anos de prisão de Pollard e eu me pergunto se haveria agido corretamente o ex-agente por quebrar as regras do jogo e, possivelmente, salvar milhares de pessoas. Aristóteles, em Ética a Nicômaco, diz: “Embora ambos, Platão e a verdade, nos sejam caros, o dever moral nos impõe preferir a verdade”. No Evangelho de João, Jesus disse ao povo judeu: “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Para o filósofo e escritor irlandês Oscar Wilde, chama-se ética o conjunto de coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando. O conjunto de coisas que as pessoas fazem quando ninguém está olhando chama-se caráter.

Para mim, Pollard infringiu a moral individual, sim, mas em nome da ética. A ética está acima dos indivíduos e da moral individual, é o que entendemos por bem comum, as iniciativas que devemos ter para o bom convívio social e para o livramento do mal em nome do bem de todos. E este é o único norte pelo qual devemos nos guiar, é o “um por todos e todos por um”.

Israel é considerada a única democracia no Oriente Médio, acredita na liberdade de expressão e no amplo direto de ir e vir. Vive em constante ameaça desde sua fundação, em 1948, e por isso a luta de cada homem faz a diferença, ainda que seja por suas difíceis escolhas. Escolhas essas que possam custar sua própria liberdade, mas em nome de um bem maior, do seu semelhante, do bem comum.

Alexandre Nigri, administrador de empresas, é CEO da MCP Realty.
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