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 | Evaristo Sá/AFP
| Foto: Evaristo Sá/AFP

Entre os debates da Brazil Conference, evento realizado por alunos brasileiros das universidades de Harvard e MIT, em Cambridge, nos Estados Unidos, entre 7 e 8 de abril, um deles foi sobre o “jeitinho brasileiro”, com participação do renomado professor Michael Sandel e do ministro do STF Luís Roberto Barroso. Mas o gesto emblemático que alimenta essa discussão veio em uma sessão que ocorreu antes da deles, e foi dado pela ex-presidente da República Dilma Rousseff.

Dilma seria entrevistada pela professora Frances Hagopian. Tomou a palavra em um púlpito para considerações iniciais. Ela se mostrava preparada e equilibrada em sua fala. Apresentava sua visão da conjuntura e do imbróglio em que esteve envolvida. Até que um dos organizadores foi avisá-la de que o tempo disponível para sua fala havia estourado.

Dilma bradou que havia sido presidente de um país e que não podiam tê-la chamado para falar o que tinha a falar em meia hora, muito menos em dez minutos. Falou o quanto quis e deixou a professora Hagopian a ver navios. Também afetou o tempo dos demais painéis, já que o seu se estendeu além do esperado.

O “jeitão” de Dilma serviu para submeter palestrantes, moderadores e participantes às suas preferências

O tom de tratamento do jeitinho costuma ser negativo, como se nossa maneira de “nos virarmos” fosse apenas negativa. Eu adoro o nosso jeitinho. Acho que ele representa a capacidade brasileira de “se virar”, de improvisar, de melhorar as coisas de forma criativa. Mas, em muitos casos, como o ocorrido no painel de Dilma, o jeitinho é um desserviço a essa mesma capacidade de fazer as coisas acontecerem. Quando associado à famosa “carteirada”, o jeitinho vira um vício, em que cada um faz o que quer e como quer, sem se importar com o impacto coletivo de suas ações.

Dilma poderia ter se virado no tempo combinado com os organizadores do evento. Ela podia ter transmitido a mesma mensagem num tempo menor que o dado. Dilma poderia ainda ter usado o aviso recebido em seu próprio favor, mostrando que ali ela era mais uma dos presentes.

O “jeitão” de Dilma serviu para submeter palestrantes, moderadores e participantes ao seu tempo, às suas preferências e à sua visão de mundo. Fez-me refletir sobre como Dilma representou bem o desrespeito ao tempo dos outros. O desrespeito às instituições e àqueles que têm nas mãos a tarefa de fazer um evento grandioso acontecer. Por que todos nós, palestrantes, moderadores e participantes, fizemos nossa parte, mas ela não? Pensava ela estar dialogando com súditos? Considera-se amiga do rei?

Pois a beleza da Brazil Conference foi justamente conectar pessoas diferentes e ter Luiza Trajano, Luciano Huck, Deltan Dallagnol, Wagner Moura, Gilberto Gil, Fernando Haddad e tantos outros conversando como reles mortais entre jovens estudantes e muitos profissionais. Aqui, todo mundo pode ser amigo do rei. E isso não vai conferir a ninguém vantagens de qualquer natureza.

Que tal migrar para um Brasil em que prevalecem as regras do jogo, até para que possamos confiar mais nos outros e, com isso, baixar os custos associados à desconfiança, que foi o tema da palestra com o professor do MIT Roberto Rigobon?

Seremos um grande país, feito de gente grande, se, e somente se, nos desdobramos para respeitar o nosso tempo e o tempo alheio. Se, e somente se, tratarmos os outros como gostaríamos que fôssemos tratados. Se, e somente se, pudermos escutar além de falar. Se, e somente se, considerarmos que ninguém está acima das regras.

Sandel e Barroso fizeram uma discussão de altíssimo nível, cumprindo com o tempo disponível e combinado. Fica a dica, para todos nós, de fazer bem com o que se tem, do jeito que tem de ser.

Natalie Unterstell é mestre em Administração Pública pela Universidade de Harvard.
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