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No dia 25 de março, foi lançado pelo Ministério de Relações Exteriores (MRE) a primeira edição da publicação Cadernos da Política Exterior, que, segundo o próprio órgão, servirá para criar um canal de comunicação do ministério com “universidades, centros de pesquisa, ONGs e a sociedade civil em geral, com o objetivo de contribuir para o debate público sobre temas ligados às relações internacionais e à política externa brasileira”.

A intenção do Itamaraty parece ser a de incentivar o debate público da política externa brasileira, questão extremamente importante não só para o Brasil, mas para todos os países que se consideram democráticos na condução de suas políticas. Historicamente tratada como a política secreta e mais fechada dos Estados nacionais, a política externa rompeu os muros dos Estados e começou a influenciar o dia a dia dos cidadãos comuns em seus mais diversos aspectos.

Hoje os efeitos internos gerados pela política externa a tornam uma política pública, ou seja, as decisões internacionais geram impactos na vida dos cidadãos em seus mais variados temas, como políticas de migração, política econômica e política ambiental. O caderno publicado pelo MRE propõe justamente tornar pública a ação do Itamaraty, com uma coletânea dos principais temas de ação do ministério.

Cadernos, à primeira vista, parece avançar nas discussões sobre uma aproximação da sociedade civil em relação ao debate internacional, reforçando uma discussão que já vem sendo realizada dentro das universidades. Entretanto, quando refinamos a observação, o avanço não parece ser tão significativo, pois todos aqueles que assinam os artigos da publicação são diplomatas de carreira da instituição, o que reforça novamente a atitude que o MRE sempre apresentou na questão da abertura à sociedade: uma abertura controlada pelo próprio Itamaraty.

As decisões internacionais geram impactos na vida dos cidadãos em seus mais variados temas

A política externa não pode ser considerada como política pública pela simples divulgação; pública deveria também ser a sua produção e sua discussão. Hoje o MRE brasileiro é responsável por produzir e implementar a política, sem mecanismos de participação em seu processo. Vivemos uma contradição: a cada dia mais somos influenciados pelos efeitos das políticas internacionais, mas ainda não participamos de sua formulação.

O Brasil ainda se mantém fechado a uma participação mais incisiva, retardando mecanismos de participação consolidados e efetivos para a participação cidadã. O problema não é a falta de bons exemplos, ou tentativas de mudar o processo. Em 2014, o então ministro Patriota endossava o apelo de setores envolvidos com a questão sobre a criação de um Conselho de Política Externa, mas a ideia não passou de uma possibilidade discursiva. Bolívia e Uruguai, cada um de seu modo, avançaram em institucionalizar essa participação, seja na constitucionalização da participação popular através de referendos para aprovação de tratados no caso boliviano, seja pela criação do Sistema de Diálogo e Consulta entre o MRE uruguaio e as organizações da sociedade civil.

A política externa latino-americana precisa avançar nesse debate sobre a participação da sociedade no seu processo de produção, se o interesse for de tratá-la como pública, e uma boa fonte de exemplos pode ser olhar para seus vizinhos.

Lucas Mesquita, professor do Curso de Ciência Política e Sociologia da Unila, é colíder do Núcleo de Pesquisa em Política Externa Latino-Americana (Nupela). Marcelino Lisboa, Karen Honório e Felipe Cordeiro são professores do Curso de Relações Internacionais e Integração da Unila.
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