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Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). Mais do que um pacto para a dignidade humana, o documento era o reflexo da experiência de horror nas guerras mundiais: fome, violência, migrações forçadas. Os representantes dos países ali presentes se comprometeram para que tudo aquilo nunca voltasse a acontecer, mas falharam.

Nas últimas décadas, a política internacional dos países desenvolvidos para o Oriente Médio e Norte da África acentuou conflitos internos, promoveu a guerra e o enfraquecimento das lideranças locais. O resultado tem sido o avanço de grupos como o Estado Islâmico, guerra civil, autoritarismo. Pessoas são obrigadas a deixar tudo o que têm para trás para lutar pela própria vida. A situação de vulnerabilidade se reflete em famílias fugindo da guerra, sobreviventes de tortura, crianças e adolescentes sozinhos, mulheres e crianças em risco e pessoas perseguidas por sua sexualidade ou gênero.

Em 2014, observamos um forte agravamento da violência. Enquanto o povo sofria uma escalada de ataques bárbaros e repressão, a comunidade internacional estava ausente. Em 2015, a crise não pode ser ignorada. Refugiados somalis, paquistaneses, afegãos, iraquianos, libaneses, mas principalmente sírios, deixaram suas vidas para trás. Estima-se que somente na Síria mais de 4 milhões de pessoas deixaram suas casas para fugir da guerra civil e do ditador Bashar Assad.

A crise está longe de terminar. Sua solução definitiva só virá com o fim da guerra

Mas engana-se quem pensa que o fluxo de migração se concentra na Europa. Juntos, Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egito concentram 95% dos refugiados sírios. Os outros 5% têm sido acolhidos principalmente na Alemanha, Canadá e Brasil. Há aqueles ainda que se recusam a receber qualquer imigrante, como Rússia, Japão, Coreia do Norte, Arábia Saudita e Bahrein. Vale dizer que o Brasil tem se destacado, apresentando medidas concretas para facilitação de vistos de entrada a sírios que buscam refúgio no Brasil. De acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), já são cerca de 8,4 mil pessoas.

Mas a crise está longe de terminar. Sua solução definitiva só virá com o fim da guerra, não por meios militares, mas através de negociação política liderada pela ONU. Enquanto isso, a solidariedade deveria falar mais alto, quando tantas vidas estão em risco. No entanto, há obstáculos sociais e políticos.

A guerra política que se trava nos fóruns diplomáticos demonstra claramente a preferência por interesses econômicos e geopolíticos, como o petróleo e a guerra ao terror. A xenofobia é uma realidade nos países europeus. Grupos conservadores se fortalecem diante de ameaças terroristas, que por sua vez são usadas como pretexto para alimentar a intolerância e o ódio contra povos heterogêneos em cultura e hábitos.

Mas também há muito que pode ser feito. As fotos do menino Aylan, que morreu afogado depois que sua família tentava cruzar o Mediterrâneo, sensibilizou pessoas ao redor do mundo sobre a urgência de medidas para conter esta grave crise humanitária. Pode parecer pouco, mas se indignar e cobrar mudanças (aqui mesmo, no Brasil) tem um poder transformador quando se trata de direitos humanos.

Atila Roque é diretor-executivo da Anistia Internacional.
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