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Ouve-se, amiúde, que a criança e o jovem têm um aprendizado fugidio, efêmero, superficial, pois não mergulha fundo nos conteúdos; que chegam com pouca base, escrevem mal, a oralidade é pífia e têm preguiça de pensar; que estudam apenas nas vésperas das provas e, assim procedendo, aprendem rápido e esquecem igualmente rápido. São afirmações verdadeiras em relação à maioria dos estudantes de hoje, e reverter essa postura é papel precípuo da escola e da família.

Um texto ou um exercício mais complexo faz bem aos neurônios. Há muito mais sinapses em dez minutos dedicados a um problema difícil – mesmo não resolvido – do que na resolução de três outros exercícios bastante acessíveis. Aprender um conteúdo mais profundo é uma atividade solitária e requer disciplina pessoal, um ambiente silente e muita determinação. Nossa cultura, em geral, pouco valoriza o mérito, o esforço, o rendimento escolar, diferentemente da maioria dos países desenvolvidos.

Não há mais barreiras geográficas e a clássica citação de Marshall McLuhan merece ser recordada: “a interdependência eletrônica recria o mundo na imagem de uma aldeia global”. O futuro concorrente do universitário de hoje não é tão somente o diplomado nas boas faculdades brasileiras, mas também em Shanghai, Seul, Hamburgo ou no Vale do Silício. E, nesse mundo competitivo, não há como obter conquistas sem uma intensa disposição e disciplina para o estudo e para o trabalho.

Apeguemo-nos a dois hábitos que com o tempo se tornam hedônicos: o prazer de aprender e o prazer de pensar

Quando eu era estudante de Engenharia e Matemática, surgiram as primeiras calculadoras eletrônicas no Brasil – que só dispunham das quatro operações. Por serem caras, só os “riquinhos” da turma podiam adquirir, e contrabandeadas. Depois, a Caixa Econômica Federal abriu uma linha de crédito para pagar em dez vezes. Computadores? Linguagem Cobol com o uso de cartões perfurados. Por aí conhecemos o que era uma tortura medieval, pois em muitas operações os resultados eram mais céleres em nossa arcaica régua de cálculo.

Faço essa digressão apenas para mostrar o quanto um discente há 40 anos dedicava do tempo em operações aritméticas braçais, ou em decorebas, hoje desnecessárias com a internet, smartphones e outros gadgets eletrônicos. Dito isso, sobrariam mais horas diárias à atual geração para desenvolver o pensamento lógico, a criatividade, os valores etc., através das leituras e da dedicação às matérias da área de exatas. As notas baixas nas provas do Enem e do Pisa bem o demonstram. Dos 6,1 milhões de candidatos do último Enem, apenas 2,1 milhões obtiveram nota superior a 4,5. Na mais recente aplicação do Pisa, pontuamos entre os últimos. São avaliações que requerem raciocínio, contextualização e compreensão de textos longos. Ou seja, habilidades cognitivas que só incorporam os leitores contumazes e discentes que mergulham fundo nos conteúdos.

Atualmente é muito valorizado o profissional que compreende e produz bons textos e é capaz de expô-los em público com clareza, síntese, no formato de um arcabouço lógico. Sejamos cartesianos: aceitemos a realidade apesar do conjunto de incertezas que advêm das mudanças. Mas sejamos simultaneamente darwinistas: temos de nos adaptar. E, para tanto, apeguemo-nos a dois hábitos que com o tempo se tornam hedônicos: o prazer de aprender e o prazer de pensar.

Para atingir os píncaros do saber, busquemos a metáfora portuguesa do Cabo do Bojador – aquele lugar difícil de ser alcançado –, conforme ilustra o verso de Fernando Pessoa: “quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor”. Mas tem enlevo e conquista, e a dor se transforma em doce sabor. Sabor de saber.

Jacir J. Venturi é coordenador da Universidade Positivo e foi professor da UFPR, PUCPR e diretor de escola.
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