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No Brasil, pagamos mais juros no cartão de crédito ou no cheque especial para cobrir o rombo daqueles que não pagam. Podemos ser proibidos de fazer alguma coisa por causa de alguns que realmente causam o problema. Não é raro ver as pessoas de bem pagando pelos atos cometidos por poucos mal intencionados.

Neste sentido, nosso país tem (loucamente) 2,5 novas leis tributárias por hora. Qualquer código tem a espessura de uma Bíblia. Temos em vigor mais de 5 milhões de normas: leis, artigos, incisos, alíneas, resoluções, portarias, medidas provisórias... É um Estado que cria dificuldades para vender facilidades e, assim, fomentar tudo o que não se espera para uma nação. Um Estado que tudo tenta regulamentar, como se o império da lei resolvesse todos os problemas. Resolvesse? Não vivenciaríamos metade das notícias que lemos neste jornal!

O arcabouço normativo brasileiro é responsável, atualmente, pelo superlativo número de 11 mil novas ações trabalhistas por dia no Brasil, porque ele incentiva o conflito. Na lei atual, tudo é tratado com dualismos, tudo é previsto para regulamentar o conflito, e não para preveni-lo.

Chega a ser curioso. O sistema legal trabalhista o tempo todo fomenta o conflito, mas, ao abrir a audiência, o juiz é obrigado por lei a propor a conciliação, o acordo. Ou seja, a lei do trabalho atual é inerte em promover os entendimentos e a conciliação durante o contrato de trabalho e, depois, procura fazer isso quando já existe um processo para solução do conflito.

A reforma trabalhista observou os pilares da liberdade, segurança jurídica e simplificação para o futuro das relações de trabalho

Um simples exemplo: pela lei vigente, ou a empresa “manda embora” (o que chamamos de “dispensa” com ou sem justa causa) ou o trabalhador entrega sua demissão. No caso de ser dispensado, a empresa paga tudo. No caso de o funcionário entregar a demissão, ela não paga nada. É nessa roleta-russa de tudo ou nada que vive o Direito do Trabalho atual.

Neste sentido, a reforma trabalhista vai muito além. Porque muito mais que alterar a lei, dando um oxigênio novo para uma norma consolidada na década de 40, o texto do projeto altera a cultura, o modo de pensar, e, por isso, representa uma revolução, um choque cultural e de gestão a partir de uma nova norma.

Quando tive a honra de auxiliar na escrita de alguns textos, já em novembro no ano passado, convidado pela Casa Civil, em Brasília, e depois tive a experiência ímpar de integrar a equipe do deputado Rogério Marinho, na Comissão de Redação Final do Projeto da Nova Lei Trabalhista, discutimos logo no início como faríamos a redação. Poderíamos escrever uma nova lei, em termos de técnica legislativa, tentando cercar a má-fé, regulamentar tudo nos mínimos detalhes, para coibir brechas e impedir que os “espertinhos” burlassem a nova lei, como sempre se fez no Brasil.

Mas optamos por um outro viés: escrever uma lei para as pessoas de boa fé. Escrever as novas oportunidades, as formas possíveis de contratação criadas, olhar a relação empresa e empregado com olhos de boa fé, ao contrário dos espasmos das leis atuais. A reforma trabalhista observou os pilares da liberdade, segurança jurídica e simplificação para o futuro das relações de trabalho. Mas vai muito adiante, quando seu texto é uma homenagem àqueles que atuam de boa fé, não tentando todo o tempo cercar aqueles de má-fé.

Da CLT de 1940, 209 artigos, incisos e alíneas (dos mais de 750) são modernizados. Mas, se tivéssemos de escrever a lei para prever todos os casos possíveis de má-fé, posso assegurar que seriam mais de 2 mil artigos e mesmo assim não conseguiríamos prever toda a sorte de irregularidades que o mal intencionado pode criar, num espectro altamente criativo daquele que é o engenheiro da maldade. Para isso existem o Poder Judiciário e os poderes do juiz: para punir com rigor, de forma imparcial, aquele que promover a má-fé nas relações de vida e também no processo. Além disso, a lei deve prestigiar aquele que procura cumprir e exigir o cumprimento da lei como cidadão, e não aquele que engendra atos de má-fé.

Opinião da Gazeta:A reforma trabalhista avança (editorial de 7 de julho de 2017)

Leia também:A reforma que deforma (artigo de Clemente Ganz Lúcio, publicado em 10 de junho de 2017)

Um exemplo que a nova lei dá ao desestímulo de conflitos durante o transcorrer do contrato de trabalho é a nova possibilidade do “distrato”, que nada mais é que um acordo entre as partes para o encerramento do contrato de trabalho. Aliás, isso já é feito hoje às margens da lei atual: é o que se chama de “fazer acordo para sair”, em que se devolve a multa dos 40% do saldo do FGTS, quando se simula uma dispensa sem justa causa, e o trabalhador indevidamente saca o fundo e as parcelas de seguro-desemprego.

Até casamento pode terminar por acordo entre as partes. E, como diz o ministro Almir Pazzianotto, o trabalhador pode casar, ter filhos, dirigir carro, moto, caminhão, pilotar avião e saltar com para-quedas. Mas assinar um contrato de trabalho? Minha nossa, que perigo!

Tratamos do que chamamos de “neohipossuficiencia”, quando o Estado deve promover a proteção em graus diferentes a cada trabalhador, de acordo com a necessidade de cada um. Significa dizer que o grau de proteção devido a um médico ou advogado é diferente daquele que deve ser oferecido a um meio-oficial de pedreiro às margens do Rio Araguaia. E aqui a grande certeza de que as convenções coletivas são mais adequadas que a lei. O acesso à Justiça, às mídias, informação, educação, grau cultural e econômico devem ser levados em consideração para o grau de proteção devido a cada um. A CLT é desequilibrada quando trata desiguais de forma igual, ou seja, trata a padaria de Londrina ou Pato Branco da mesma forma como trata o maior banco do país. Isso também fomenta o conflito.

O distrato, a nova figura criada pela lei para evitar o conflito, prevê que o colaborador e o empregador possam convergir em acordo para encerrar um contrato de trabalho. Nesta hipótese, todas as verbas salariais serão devidas (saldo de dias trabalhados, férias com 1/3, 13.º salário proporcional...). Mas o pagamento da multa do FGTS será devido pela metade, o funcionário poderá sacar 80% do saldo do FGTS (já que se trata de um acordo para encerrar o contrato) e não poderá sacar o seguro-desemprego, para desestimular a rotatividade.

Além dessa novidade, a comissão de trabalhadores representantes dos empregados (com a mesma garantia de emprego dos membros da Cipa) nas empresas para fazer entendimentos no dia a dia com os patrões (para empresas com mais de 200 empregados) e a possibilidade de homologar acordos extrajudiciais na Justiça são outras formas de regular a boa fé e prevenir os conflitos, em vez de estimulá-los.

Como se vê, não se trata apenas de reformular a legislação trabalhista. Fratura-se um sistema saturado e em descompasso com o espírito do tempo e atinge-se o âmago cultural não só em relação ao capital e ao trabalho, mas na forma de produzir leis, de gerar novas oportunidades e também novas responsabilidades, mostrando ao Brasil que mudar é possível.

Passamos da hora de prestigiar quem atua de boa fé e de buscar o equilíbrio. Este é o verdadeiro viés da reforma trabalhista. E o Judiciário estará como poder constituído para coibir energicamente aqueles que atuarem em má-fé, de modo imparcial, seja de que lado for, ao nosso sentir.

Há de concluir-se com a voz quase presente de Elis: “A esperança dança / na corda bamba de sombrinha / e em cada passo dessa linha / pode se machucar / Azar / A esperança equilibrista / sabe que o show de todo artista / tem que continuar!”

Marlos Augusto Melek é juiz do Trabalho há 12 anos e membro da Comissão de Redação Final da Reforma Trabalhista na Câmara Federal.
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