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Há seis meses o mundo presenciava, em tempo real, um dos maiores desastres ambientais do Brasil. A apropriação de um rio por um tsunami de 2 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de mineração, que devastou comunidades humanas e ecossistemas, deixando centenas de moradores desabrigados, 19 vítimas humanas fatais e milhões de vítimas florais e faunísticas. Conforme o mar de lama seguia até o mar, nossos gestores pareciam torcer para que fosse comprovado um precedente abalo sísmico, para que toda a lama se diluísse antes de chegar aos manguezais, para que a infalível medida mitigatória desse certo ou para que outro acontecimento impactante invadisse os noticiários e enaltecesse o estarrecimento da população.

Porém, a lama invadiu o mar, pavimentou o fundo do rio matando organismos bentônicos e desoxigenou a água, asfixiando os nectônicos e planctônicos. Ambientalistas e simpatizantes choraram genuinamente por um acidente que denunciava a morte de um rio ou, com muito otimismo, um estado de coma que poderia durar décadas. O posicionamento quase que indiferente do governo, a atitude apática da empresa e a acomodação da população foram tão doloridas quanto o acidente em si. Personalidades nacionais foram ofuscadas por celebridades internacionais que clamaram pela punição chegando a doar seus cachês.

A população ainda detém uma atitude compassiva com relação à gestão do bem-comum pelo Estado

O impactante desastre de Mariana não deve ser visto como um fato isolado, é apenas um termômetro, um indicativo da idoneidade de nossas condutas com relação à natureza. Como toda questão bioética, se constitui de um problema complexo, que envolve muitos agentes morais que tomam decisões pautados em valores e princípios que não refletem a totalidade dos seres vivos.

Parece que quando os acontecimentos são noticiados na TV ganham um ar de virtualidade ou irrealidade e, em uma sociedade líquida, a necessidade de notícias novas diluem a indignação e o ímpeto de justiça. Além disso, a paradoxal distância entre o cidadão e os fatos dificultam a sua inserção na problemática e obviamente a compreensão dos culpados. Contudo não devemos nos eximir de nossas responsabilidades, seja ao consumirmos de maneira inconsciente e irresponsável, alimentando a exploração dos recursos naturais como se fossem infinitos, ou clamando por produtos cada vez mais baratos, estimulando que as empresas procurem compensar o custo no manejo ambiental.

A população ainda detém uma atitude compassiva com relação à gestão do bem-comum pelo Estado. Obviamente que, em uma sociedade, dividimos as tarefas e endossamos, por meio de nossos impostos, que o governo se responsabilize por algumas delas. Porém se nos omitirmos das decisões, consequentemente, seremos corresponsáveis. Como devemos fazer isso? Devemos trabalhar em consonância com a gestão pública, participar das decisões e tomar parte da nossa responsabilidade, sair do comodismo e ter um protagonismo crítico.

Nos parece que cada vez mais o mundo precisa de uma nova ferramenta que subsidie a resolução dessas questões complexas, plurais e globais, que intermedeie o diálogo entre os inúmeros agentes, que ora são pacientes morais, ora se veem extremamente vulneráveis. A bioética ambiental e seu caráter deliberativo, inserida em Comitês que congreguem todos os setores da sociedade envolvidos, traz uma esperança de retomar o equilíbrio e a harmonia na relação entre os homens e a natureza, como era no início.

Marta Luciane Fischer é bióloga, doutora em Zoologia e professora titular do mestrado em Bioética da PUCPR. Renata Bicudo Molinari é mestre em bioética pela PUCPR.
Douglas Rocha
é mestrando em Bioética pela PUCPR.
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