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 | Reinhard Krause
| Foto: Reinhard Krause

Marcada pelo belicismo desde sua unificação, na Guerra Franco-Prussiana de 1870, a Alemanha moderna reconstruiu-se virtuosamente após as guerras mundiais, em compromissos reiterados com a paz e a com a segurança coletiva. E, se o protagonismo alemão no período das guerras é marcante, não menos forte será sua atuação na construção da modernidade representada pela União Europeia, que selou o destino pacifista do continente, a proscrever o uso da força e a transformar o discurso belicista em definitiva categoria psiquiátrica.

Bem a propósito, no período da fundação comunitária, nos anos de 1950 – o maior e mais bem-sucedido projeto político-jurídico do pós-guerra –, o grande negociador seria o alemão Konrad Adenauer, a par de vultos como o italiano Alcide de Gasperi e os franceses Jean Monnet e Robert Schumann. Nos anos de 1980, em novo momento vertiginoso para o velho continente, com o fim da Guerra Fria e com a queda do Muro de Berlim, desponta outro alemão ilustre: o chanceler Helmut Kohl, recentemente falecido aos 87 anos, reconhecido como líder inconteste de seu tempo, mercê de coragem política e de convicção inabalável na integração europeia.

Sua obsessão em fortalecer os laços com a França, inimiga histórica, foi o mais formidável projeto de sua trajetória

Não foram tempos fáceis. A débâcle da União Soviética e a perestroika deixaram agendas imponderáveis, como o que fazer com o Leste Europeu e com a Alemanha Oriental, herdeiras do legado de atraso e de pobreza do socialismo real. Felizmente, Mikhail Gorbachov também era estadista e não vetou o projeto de reunificar a Alemanha, pretendido pelo então chanceler Kohl. Apesar do alto custo político que isso representava, a penalizar gravemente os contribuintes e a economia no curto prazo, tudo se fez com urgência e de forma resoluta. Em 3 de outubro de 1990, desaparecia a República Democrática da Alemanha. Afinal, estadistas são os que ministram remédios dolorosos, não os que iludem com as fórmulas edulcoradas do populismo.

O tempo mostraria sua razão. Não fora pela reunificação alemã pós-Guerra Fria, temida por muitos como a volta do colosso militar germânico, nem a Europa do mercado comum teria se consolidado, muito menos teria advindo a união monetária e o euro, não como mero projeto econômico, mas como relação estratégica quintessencial, a consolidar em definitivo o eixo Berlim-Paris. As recentes eleições presidenciais francesas acabam de avalizar o velho projeto de pleno alinhamento franco-alemão, sem retorno ao protecionismo e aos nacionalismos populistas à esquerda e à direita, com a prevalência dos valores fundacionais que levaram à integração europeia.

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Mais longevo primeiro-ministro alemão, Helmut Kohl chegou ao poder em 1980, permanecendo na chefia do governo por inéditos 16 anos. Não obstante sua origem simples, como político de província que nunca deixou de ser, grosseiro e falastrão, foi nas questões externas que se destacou, com descortino e privilegiada visão de futuro. Sua obsessão em fortalecer os laços com a França, a emblemática inimiga histórica, foi por certo o mais formidável projeto de sua trajetória inesquecível. Nessa perspectiva, não hesitou em utilizar a economia como ferramenta da política, como sempre deveria ser, defendendo a criação da moeda comum não como ardil financeiro, senão como estratégia pacificadora de longo e insuperável alcance.

Embora não fossem fáceis as relações de seu governo conservador com o socialismo convicto do então presidente francês François Mitterand, com a astúcia da diplomacia dos pequenos gestos Kohl superou diferenças ideológicas e ressentimentos históricos imemoriais. Por fim, nada impediu o aperto de mãos Kohl-Mitterrand sobre as tumbas do cemitério militar de Verdun, na definitiva reconciliação franco-alemã, uma das imagens marcantes do século 20. Afastado da vida pública por imbróglio de financiamentos ilegais de seu partido, e com vida privada conturbada, soube, no entanto, manter o preito de todos os europeístas, como o indiscutível pai da reunificação alemã. O que Bismarck já houvera feito no século 19 pela força da guerra, Kohl soube refazer 100 anos depois pela força da paz.

Jorge Fontoura é advogado e professor.
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