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| Foto: Nelson Jr./STF

Em 4 de maio de 2016, o ministro Teori Zavascki decidiu pelo afastamento cautelar do então presidente da Câmara dos Deputados do exercício de suas funções. Repetindo o comentário do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, foi “uma das mais extraordinárias e corajosas decisões da história político-judiciária do Brasil”. Posteriormente, o Plenário do STF, em julgamento unânime, referendou a decisão cautelar. Livrou-se o país, após longa espera, do risco de que continuasse no comando de um dos poderes da República pessoa suspeita da prática de variados crimes e que utilizava seu poder, como reconhecido pelo Supremo, para prevenir a sua responsabilização.

Mesmo antes dessa decisão, o ministro Teori Zavascki já havia dado mostras de coragem institucional e de atuação independente que os tempos turbulentos reclamavam. Em 24 de novembro de 2015, decretou a prisão de um senador em exercício, flagrado em gravação tentando impedir que um diretor da Petrobras submetido à prisão revelasse seus crimes em acordo de colaboração premiada.

Zavascki tornou-se relator prevento para os recursos no âmbito da Operação Lava Jato ainda em maio de 2014. Desde então, destacou-se por sua atuação serena e independente. Reviu algumas decisões das instâncias inferiores, no regular exercício de jurisdição, mas, em geral, deu – respeitando o devido processo – firme apoio ao importante trabalho de investigação e processamento dos graves crimes descobertos no âmbito dos contratos da Petrobras. Foi ele, ainda, o responsável pela homologação dos primeiros acordos de colaboração premiada de Paulo Roberto Costa e de Alberto Youssef, então ainda algo relativamente novo na prática judicial. Não teve receio de fazê-lo e de conferir publicidade ao conteúdo dos depoimentos. O interesse público, pela gravidade e dimensão dos fatos revelados, especificamente a descoberta de um sistema de corrupção entranhado nas instituições públicas, depois confirmado pelos casos já julgados, assim o reclamava.

19 de janeiro de 2017 foi um dia trágico, não só pela perda humana, mas pela perda institucional

Mas não foi só na análise dos casos concretos que o ministro destacou-se. Foi ele o relator, no Supremo Tribunal Federal, do HC 126.292, julgado em 17 de fevereiro de 2016, no qual a corte revisou seu anterior entendimento de que a presunção de inocência obstava a execução da pena antes do julgamento do último recurso. Na prática, tal entendimento permitia que criminosos poderosos, utilizando as brechas do sistema legal, com sua infinidade de recursos, prevenissem sua efetiva responsabilização por seus malfeitos. A revisão da regra permite que, após uma condenação em segunda instância, possa o julgado ser já efetivado, com a prisão do condenado. O ministro Teori Zavascki e a maioria então formada no Supremo compreenderam a relação entre impunidade e corrupção sistêmica, e a necessidade de que a Justiça criminal deixasse de ser um faz-de-conta para crimes praticados pelos poderosos. Posteriormente, em 5 de outubro de 2016, esse entendimento foi reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento de ação declaratória de constitucionalidade, tendo agora por relator o ministro Edson Fachin.

19 de janeiro de 2017 foi um dia trágico, não só pela perda humana envolvida na morte de qualquer indivíduo, mas pela perda institucional. O ministro, em que muitos confiavam pela seriedade, independência e respeito ao devido processo, deixou-nos: uma lacuna trágica ainda pelo momento histórico, vésperas da homologação dos acordos de colaboração de executivos de Odebrecht, o que permitiria estender e aprofundar as investigações até então centradas quase que exclusivamente nos crimes praticados no âmbito da Petrobras.

Pela bondade da Providência, a relatoria desses processos ganhou um substituto à altura: o ministro Edson Fachin. Jurista de qualidade e que já antes demonstrara a principal virtude de um magistrado, a atuação independente. De forma semelhante ao antecessor, vem se destacando pelo atuar sereno, firme e, principalmente, com a independência daqueles que não julgam a corrupção com cores partidárias. É um magistrado que serve ao Direito e não ao poder. Atualmente, não só por sorteio, mas por mérito, é o ministro Edson Fachin quem representa o legado do ministro Teori Zavascki no STF, isso sem embargo da elevada qualidade de outros componentes da corte.

Opinião da Gazeta:A trama contra a Lava Jato (editorial de 9 de junho de 2016)

Leia também:Os filhos da Lava Jato (artigo de Marcelo Gomes, publicado em 31 de maio de 2017)

Infelizmente, há dúvidas se o legado sobreviverá. O consenso de que a corrupção sistêmica é um mal a ser combatido, que não só contamina as instituições brasileiras, mas que também enfraquece nossa economia e a qualidade de nossa democracia, parece ter diminuído. Há quem, consciente ou inconscientemente, prefira a estabilidade da corrupção e os ganhos de curto prazo dela decorrentes. Há quem tenha certo rancor dos investigadores e dos magistrados por sua audácia, como se houvesse crimes que não devessem ser revelados ou como se eles, e não os próprios agentes criminosos, fossem responsáveis pelos crimes descobertos. Há até mesmo quem pretenda rever os julgados e precedentes estabelecidos pelo ministro Teori Zavascki.

Os problemas não se resolvem se fingirmos que eles não existem. Abdicar do enfrentamento da corrupção neste momento apenas propiciará que ela volte mais forte, comprometendo o potencial de desenvolvimento do Brasil. A passagem de um modelo de impunidade para um modelo de responsabilidade não se fará sem turbulências. Não há, porém, saída honrada salvo ir em frente. Agora, para além dos processos judiciais, são necessárias reformas mais gerais que diminuam oportunidades de corrupção e que elevem a transparência. Nisso, governo e Legislativo estão devendo, e muito. Os ganhos do enfrentamento da corrupção sistêmica serão elevados. Uma economia mais forte e de maior produtividade, sem o grande peso dos custos da corrupção sistêmica. Uma democracia de melhor qualidade, com um governo de leis, sem os privilégios da impunidade dos poderosos, e com maior confiança e harmonia entre representantes e representados. Espera-se que, nesses momentos difíceis e turbulentos, o legado do ministro Teori Zavascki não seja esquecido. Precisa-se, mais do que tudo, dos bons exemplos.

Sergio Fernando Moro é juiz federal em Curitiba.
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