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Felipe Lima

A liberdade religiosa está socialmente em voga e cada vez mais presente também nos tribunais. Desta vez, o tema foi deliberado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, ao decidir que os empregadores podem proibir seus colaboradores de utilizar “símbolos religiosos visíveis” no ambiente de trabalho. O caso se referia a duas mulheres muçulmanas que foram demitidas por se recusarem a tirar seus véus no trabalho. Uma decisão que afronta tendência adotada com certa regularidade nos julgados da Corte Europeia dos Direitos Humanos. O problema é que as decisões da corte não são impostas aos países signatários da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, diferentemente das prolatadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

O julgado não está contextualizado e afronta princípios fundamentais do ser humano, pois o poder potestativo do empregador, assim como os demais direitos, não é absoluto. Deverá haver respeito aos preceitos constitucionais, humanitários e legais de proteção holística do trabalhador.

É sabido que a prática de uma religião tem caráter identitário e afeta umbilicalmente a dignidade da pessoa humana, esta enquanto coexistência integrada do corpo físico com as atividades emocionais, racionais e morais, atributos esses que tornam o ser humano distinto dos demais seres vivos. O ser humano, de forma racional, ao agir a cada segundo da vida sempre se baseia em valores, princípios e regras, oriundos de uma predeterminada cosmovisão, normalmente dada pela religião.

O trabalhador disponibiliza ao empregador apenas a sua força de trabalho, e nunca a sua pessoa

Portanto, o empregador viola a dignidade do empregado quando impõe que ele faça opção entre a prática de sua fé e o seu trabalho. A crença está introjetada no âmago do ser e, paradoxalmente, até mesmo dos que dizem em nada crer, pois estes têm o direito de viver desta forma.

Sabe-se que o trabalhador disponibiliza ao empregador apenas a sua força de trabalho, e nunca a sua pessoa e muito menos os seus princípios fundamentais, que são inalienáveis, pois sempre o acompanham, até mesmo no local de trabalho. A dignidade da pessoa humana é um direito fundamental hígido e íntegro que não pode ser segmentado, fatiado ou suspenso quando a pessoa estiver em cumprimento de jornada de trabalho.

Por outro lado, o poder potestativo do empregador pode e deve ser exercido para regular a prática religiosa de seus empregados durante a jornada e no ambiente de trabalho, limitando, por exemplo, a prática de proselitismo. Este é o tema mais complexo dentro do direito à liberdade religiosa, pois sua prática pode gerar discussões, desconfortos, desgostos, quebra de espírito de equipe e confrontos devido às diferentes cosmovisões, causando danos ao ambiente de trabalho e prejuízo à atividade empresarial.

Mas, em relação aos demais usos e costumes religiosos – por exemplo, o uso de véus, crucifixos etc. –, como foi o caso das mulheres muçulmanas demitidas, nenhum prejuízo haverá para a prestação de serviço. Pelo contrário: o empregado que exerce sua espiritualidade em todos os momentos da vida se sente bem em espírito, mais confortável, realizado e respeitado pelo empregador, o que, com certeza, trará benefícios a todos.

Acyr de Gerone, advogado, é vice-presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/PR e representante estadual da Associação Nacional de Juristas Evangélicos.
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