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Recentemente, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) manifestou apoio à proposta do deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) de incluir a palavra "amor" na frase "Ordem e progresso", da bandeira nacional. Essa proposta é simpática, ao afirmar a importância do "amor", mas apresenta vários equívocos.

As justificativas para a mudança, em poucas palavras, são as seguintes: o "amor" integra a frase do filósofo positivista francês Augusto Comte (1798-1857) "o amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim"; entretanto, o autor do símbolo, Raimundo Teixeira Mendes, teria simplesmente deixado de lado o "amor". Com isso, para Alencar as propostas de Comte teriam sido deformadas. Já Suplicy afirma que a influência do militar Benjamin Constant Botelho de Magalhães teria sido a responsável por essa ausência e que, no século 21, um "novo paradigma" se impõe, valorizando a solidariedade e combatendo-se as violências.

Mas nem Benjamin Constant nem Teixeira Mendes tiraram nenhuma palavra da frase original; ambos seguiram a sugestão de Comte. A frase completa sintetiza uma densa filosofia moral, política, histórica e religiosa; já "Ordem e progresso" é um programa político, com dois ideais mais ou menos compartilhados por todos os cidadãos.

O senso comum opõe a ordem ao progresso, mas Comte propunha a união e a superação dos dois termos, considerando que "a ordem é a base do progresso" e o "progresso é o desenvolvimento da ordem": as condições sociais básicas de educação, moradia, respeito, inclusão etc. ("ordem") devem ser satisfeitas para que a sociedade avance ("progresso"). Mais: o progresso deve ser entendido em vários sentidos: material, físico, intelectual – e sobretudo moral e afetivo, como o desenvolvimento do altruísmo, da fraternidade, do respeito, da paz universal.

O amor, para Comte, era pressuposto da ordem e resultado do progresso; mas, enquanto "ordem" e "progresso" opõem-se e disputam a primazia em detrimento um do outro, não há nem ordem nem progresso – que se dirá amor.

Essas ideias foram defendidas no século 19, como projeto político para o Brasil. Tinham validade em 1889 (na Proclamação da República) e têm agora, em 2013. Quais as propostas que Benjamin Constant e Teixeira Mendes defendiam? A paz universal, o respeito aos trabalhadores, a dignidade do trabalho, a laicidade do Estado, as liberdades individuais e coletivas. Tais ideias foram promovidas com grande intensidade entre 1881 e 1927 (quando Teixeira Mendes morreu); mas de 1930 em diante Getúlio Vargas rejeitou-as todas, com sua tirania civil apoiada pela Igreja Católica.

Assim, "Ordem e progresso" não é uma deturpação da proposta de Comte, nem foi desvirtuada por obra de militares. As ideias subjacentes a ela não são um "novo paradigma" a ser criado, mas um "paradigma antigo" a ser resgatado. A despeito dos desvios autoritários e/ou revolucionários que o Brasil viveu no século 20, oscilando entre "ordem" e "progresso", parece que neste início do século 21 volta-se às propostas de Comte, honrando-se, mesmo que sem o saber e cometendo-se equívocos, as memórias de Benjamin Constant e Teixeira Mendes.

Gustavo Biscaia de Lacerda, doutor em Sociologia Política pela UFSC, é sociólogo da UFPR.

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