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No mês de março a sociedade brasileira assistiu ao lançamento de ao menos três pacotes anticorrupção formulados por instituições relevantes. O primeiro foi anunciado pelo governo federal e entre as medidas principais consta o decreto regulamentador da Lei Anticorrupção, apelidada pelo governo de Lei da Empresa Limpa. Parte significativa do decreto regulamenta os chamados acordos de leniência, por meio dos quais o praticante de uma infração pode ter suas penas extintas ou reduzidas em troca de colaboração nas investigações que leve à obtenção de provas contra outros praticantes de condutas ilegais.

Acordo de leniência não é sinônimo de impunidade

Depois foi a vez de o Ministério Público Federal anunciar seu pacote anticorrupção, incluindo a proposta de criação do acordo de leniência no âmbito das ações de improbidade administrativa, sendo que a competência para sua celebração seria exclusiva do MP.

A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) também anunciou um pacote defendendo 15 medidas, dentre elas a suspensão dos efeitos do decreto regulamentador da Lei Anticorrupção e a alteração da própria lei, por entender que esta deveria explicitar as competências dos Tribunais de Contas e do MP, especialmente em relação ao controle dos acordos de leniência.

Atualmente, existem três regimes jurídicos análogos em vigor no Brasil, correspondentes ao que pode ser chamado de acordo de leniência. São eles: o acordo de leniência previsto pela Lei de Defesa da Concorrência ou Lei Antitruste (Lei 12.529); o acordo de leniência previsto pela Lei Anticorrupção (Lei 12.846) e a colaboração premiada prevista pela Lei de Organização Criminosa (Lei 12.850).

Ao contrário do que vem sendo afirmado, acordo de leniência não é sinônimo de impunidade. Muito pelo contrário, a leniência pode ser um instrumento de investigação muito eficaz para a produção de prova contra vários investigados. É claro que desvios de finalidade podem ocorrer, especialmente quando o instituto da leniência é introduzido em uma nova lei, devendo ser aplicado por uma nova autoridade e, principalmente, no âmbito de uma operação impactante como a Lava Jato. É o que ocorre com o acordo de leniência previsto pela Lei Anticorrupção, recentemente regulamentado também pela Portaria 910 da Controladoria-Geral da União (CGU), que é justamente o órgão responsável pela celebração dos acordos.

A CGU não tem experiência na celebração de acordos de leniência, e também não constitui um órgão independente do poder político, visto que é diretamente subordinada à Presidência da República. Vê-se, portanto, que a Controladoria-Geral da União não está sob as mesmas condições favoráveis que estão Ministério Público e Judiciário para celebrar e homologar colaborações premiadas, bem como Cade e MP estão para celebrar acordos de leniência, visto que são órgãos independentes do governo.

Desde 2003 até 2014, o Cade celebrou 49 acordos de leniência, tendo construído toda essa experiência em parceria com o MP. O atual momento crítico da Operação Lava Jato, bem como suas consequências políticas e econômicas, requer que as instituições trabalhem juntas, de forma a construírem soluções jurídicas sólidas com base em experiências prévias bem-sucedidas. Dessa forma os acordos de leniência poderão extrapolar sua atual utilidade nos campos antitruste e criminal para abranger também o novo e importante território da Lei Anticorrupção.

Denis Alves Guimarães é advogado e especialista do Instituto Millenium.
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