• Carregando...
 | Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil/Fotos Públicas
| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil/Fotos Públicas

Há pouco tempo recebemos a triste notícia da morte de um amigo – suicídio. Quando soubemos, foi como se uma corrente elétrica houvesse percorrido toda a nossa espinha. “Como assim?!”, foi a primeira coisa que conseguimos dizer. Naquele momento nos demos conta de que o susto pareceu maior por conta da ausência de sinais claros a serem lidos por nós e pelos outros amigos que o cercavam.

Tratava-se de um rapaz forte, sempre sorridente, tenaz e valente lutador que travava verdadeiras guerras pela cultura da periferia e pelos mais desfavorecidos, bem como pelo reconhecimento da enorme riqueza da cultura africana. Não parecia faltar vigor. Não nele.

Não é isso que o escritor americano Andrew Solomon diz em seu famoso livro O Demônio do Meio-Dia – Uma Anatomia da Depressão? Que um dos sinais é a perda da vitalidade, já que ela é o oposto da depressão? Ao contrário disso, ele era sempre força, coragem e sorriso. Cordialidade e energia para debater temas complicados que pareciam elementos inatos nele. Mas e os tais sinais depressivos? Por onde andavam?

É comum confundirmos tristeza, descontentamento ou infelicidade como sinônimo de depressão

“Muitos depressivos nunca se tornam suicidas. Muitos suicídios são cometidos por pessoas que não são depressivas”, escreveu Solomon em seu best-seller. “Os dois elementos não são partes de uma única equação lúcida, uma ocasionando a outra. São entidades separadas que com frequência coexistem, influenciando-se mutuamente.”

É comum confundirmos tristeza, descontentamento ou infelicidade como sinônimo de depressão. Temos uma imagem carimbada do depressivo ou do suicida em nossa mente. É sempre alguém que não levanta da cama, que não se cuida, que não sorri – e é aí que mora o perigo. Quantas pessoas ainda sofrem caladas, lutam em silêncio contra seus próprios demônios, dia após dia, de maneira incansável e desgastante? Elas usam do sorriso e da simpatia para blindar os amigos e parentes, para que estes não sejam atingidos pelos estilhaços das bombas que constantemente explodem dentro de si.

De acordo com dados da OMS, cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio no mundo todos os anos. Uma morte a cada 40 segundos. Ainda segundo a organização, é a segunda maior causa de morte de pessoas com idade entre 15 e 29 anos. Segundo a psicóloga e psicanalista especializada em psicossomática Heloísa Antiori, algumas pesquisas clínicas mostram que o sujeito que tenta tirar a própria vida, ou mesmo aquele que consegue, não quer morrer. “O que ele deseja é fugir de um sofrimento insuportável. É um ato repleto de ambivalência entre o querer morrer e querer viver. Em geral, uma tentativa prévia não consumada envolve novas tentativas”. Ela ainda salienta que este é um ato que não deve ser enaltecido, glamourizado e nem tomado como um ato de coragem, pois não se trata de livre arbítrio e sim de sofrimento, “de um sujeito em dor que, com a ajuda certa, na hora certa, pode ser salvo”.

Para o sociólogo Émile Durkheim, cujo clássico ensaio O Suicídio, publicado em 1897, continua a ser uma das grandes referências no assunto, “as causas de morte situam-se fora de nós muito mais do que em nós e só nos atingem se nos aventuramos em sua esfera de ação”. Por isso, precisamos dar a devida atenção às relações socialmente construídas e como elas influenciam nossa vida interior.

Leia também: O suicídio como patologia social (artigo de Alexandre Baiocchi, Rodrigo Almeida e Silvano Redon, publicado em 16 de setembro de 2016)

Leia também:A Baleia Azul e a geração suicida (artigo de José Affonso Dallegrave Neto, publicado em 28 de abril de 2017)

“Todos nós procuramos a felicidade, até mesmo quando nos enforcamos”, declarou em seu tom característico o filósofo Clóvis de Barros Filho em uma entrevista para o programa Café com Jornal. Nas palavras do professor e requisitado intelectual, o suicídio é só a ponta do iceberg de um problema infinitamente maior, uma “solução de abreviação da existência como forma de interrupção de uma dor radical”.

E, de acordo com Heloísa Antiori, 60% de pessoas que morreram nunca haviam tentado antes; de 50% a 60% nunca buscaram ajuda profissional; e dois terços comunicaram claramente esta intenção. A especialista, que trabalha na área há 25 anos, diz que a psiquiatria e a psicanálise podem ajudar a impedir o ato, ao detectar personalidades melancólicas por um lado, e narcísicas (individualistas) por outro.

Falar abertamente sobre o problema com um profissional faz toda a diferença. No entanto, conversar com amigos, familiares e pessoas que amamos também pode ser uma rede protetora que nos impeça de cair nesse abismo.

Jocê Rodrigues é escritor, editor e repórter. Joyce Finato Pires é estudante de Direito do Unibrasil e integrante do PET – Direito, programa atual que estuda as interseções entre direito e loucura.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]