• Carregando...
 | /
| Foto: /

Na quarta-feira passada, dia 26, o STF derrubou a tese da desaposentação, que era a expectativa de recálculo dos benefícios daqueles que continuam trabalhando e contribuindo mesmo depois de aposentados. A tese tinha como fundamento central o princípio da contrapartida, positivado no artigo 201, § 11 da Constituição, bem como pareceres favoráveis à respectiva viabilidade atuarial, apesar da proibição legal que estava sub judice.

Embora houvesse grande expectativa em torno do julgamento, esta inclinação era previsível. No entremeio do protagonismo dado à corte pela judicialização da política na última década, o Supremo parece devolver à sociedade e aos demais poderes os seus próprios deveres e responsabilidades políticas. O discurso central reside na legalidade constitucional como critério mediador das tensões que ganham repercussão geral. A Constituição tem sentido político denso e limites jurídicos em construção, cujo conteúdo vai se sedimentando na experiência pela corte, com estaca reiterada na semana passada.

A Constituição tem sentido político denso e limites jurídicos em construção

Um direito usurpado

Todos serão solidários na miséria na velhice, que é para onde nos levam decisões equivocadas como a tomada pelo STF

Leia o artigo de Renato Follador, especialista em previdência pública e privada

Em matéria previdenciária, no caso da desaposentação, há tensão entre os objetivos fundamentais de solidariedade social, de um lado, e da contrapartida e da justiça social de outro. A solidariedade social é fundamento ético primeiro da estrutura tributária e previdenciária. Assumindo que ninguém vive sem renda na economia capitalista, todos (empregadores, trabalhadores, importadoras, apostadores da loteria) contribuem para que o Estado possa promover a cobertura dos riscos sociais que supostamente impedem as pessoas de trabalhar. Nessa esteira, em tese não há contrapartida direta entre essas contribuições e o valor dos benefícios.

Em relação aos trabalhadores, especificamente, a contrapartida existe, em atendimento ao comando constitucional reivindicado na tese da desaposentação, mas é indireta e regulamentada pela Lei de Benefícios, dando-lhe alcance e justeza ao tomar os valores dos salários históricos para o cálculo da aposentadoria e limite ao vedar novos efeitos previdenciários aos que continuam trabalhando após a aposentadoria.

Esse limite legal, que existe e é claro, foi julgado constitucional pelo Supremo, apesar da evidente iniquidade que representa sobre as pessoas que, em regra mais por necessidade que por vontade ou altruísmo, continuam trabalhando – às vezes por décadas – após o início da renda de aposentadoria. É a materialização da injustiça social, numa dinâmica em que as pessoas se veem condenadas ao trabalho eterno (negando-se também o primado da liberdade social) para que consigam se sustentar.

Essa injustiça política foi percebida pelos ministros Teori Zavascki e Edson Fachin em seus votos, que repousaram no parâmetro objetivo desse limite jurídico, a partir do juízo de legalidade constitucional, mas convocaram os demais poderes a assumir a responsabilidade política de afirmar ou denegar os valores constitucionais, na negociação da reforma da legislação previdenciária.

Não parece haver espaço para otimismo, entretanto, neste momento, no ambiente político.

Noa Piatã Bassfeld Gnata, advogado, é doutorando na Faculdade de Direito da USP e professor substituto na Faculdade de Direito da UnB.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]