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Pensei bastante, perguntei a muitas pessoas, li os argumentos pró e contra e cada vez me convenço mais: o acordo de unificação ortográfica que entrou em vigor no dia 1º só tem desvantagens, cria problemas sem "descriar" nenhum dos já existentes e servirá apenas para infernizar a vida dos que tentam escrever em português decentemente inteligível e de todos os que, involuntariamente, tiverem de se submeter à nova ortografia.

De cara, chama a atenção o fato da matriz da língua portuguesa, Portugal, não referendar o acordo e, pelo jeito, não pretender fazê-lo tão cedo. Estaria receoso do "abrasileiramento" da última flor do Lácio, inculta e bela? Aliás, não é novidade que os portugueses não acreditem que falemos português. Uma vez, estava com minha mulher em uma loja de Lisboa e conversávamos enquanto esperávamos o pacote. A vendedora, cheia de divertida surpresa comentou: "estou a entender tudo o que estão a dizer! Afinal, o brasileiro se parece muitíssimo com o português!"

Um dos argumentos (raros) que encontrei a favor do acordo era de que a unificação contribuiria para o prestígio internacional da língua. Mas, oh pah!, a língua de maior prestígio internacional não é o inglês, que não obedece a regras uniformes nem – muito menos – é pronunciada da mesma forma? Outro é que a nova ortografia simplifica a escrita, o que me parece duvidoso. Ao longo de minha vida profissional, li muito sobre subdesenvolvidos e também sobre sub-desenvolvidos, sobrecarga e sobre-carga, autodeterminação e auto-determinação e nunca tive qualquer dificuldade para entender que eram as mesmas coisas, escritas de maneira diversa. Agora, para escrever o português correto, devo me lembrar de investigar se as palavras componentes guardam ou não a "noção de composição", de verificar se a segunda palavra começa com as letras h, r ou s ou ainda com vogal diferente da que encerra a primeira palavra. Isso, é claro, depois de me assegurar que – neste último caso – a letra r vem (ou não) do prefixo e o segundo elemento também começa com a mesma consoante. Elementar, meu caro Watson.

Vejo no acordo de unificação uma mistura de preciosismo formalista com avidez comercial. O velho formalismo que está presente em tudo ou quase tudo que acontece aqui na terrinha venceu de novo. Milhares de professores estão tendo de passar por reciclagens ou terão de fazê-lo nos próximos meses para ensinar o "novo" português; isso em um país que – como demonstram sistematicamente as provas de avaliação do Inep – não foi sequer capaz de ensinar aos alunos das escolas brasileiras as regras da "velha" ortografia, que vigiram durante quase quatro décadas, desde dezembro de 1971.

O interesse comercial é óbvio: como a grafia terá de ser adaptada em até três anos, é inevitável que todos os dicionários e livros-texto sejam adaptados às novas regras e o MEC já anuncia que, a partir de 2010, suas compras de livros didáticos exigirão o respeito ao acordo. Centenas de milhões de livros já editados não poderão mais ser reaproveitados (ou re-aproveitados?) para não termos alunos da mesma geração escolar, escrevendo a língua oficial de mais de uma maneira. Um mercado de fazer salivar editores e livreiros.

Como a Gazeta do Povo já anunciou que a partir de agora valem as novas regras, desde já espero a ajuda dos atentos revisores para quando meus cansados neurônios não se lembrarem de suprimir o acento agudo em paroxítonas com ditongos abertos, sem fazer o mesmo nos ditongos das oxítonas.

Enquanto isso, os brasileiros do interior continuarão a ir nos domingos às retretas para ouvir modinhas e encontrar namorados.Os portugueses também continuarão a frequentar as retretas, possivelmente com maior frequência do que os brasileiros do interior, e nem cogitarão procurar namoros nessas ocasiões. Estarão preocupados, isso sim, em acionar o autoclismo depois de usar a retreta. Falando "brasileiro" claro: em apertar a válvula de descarga depois de usar a privada.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR e membro da Academia Paranaense de Letras.

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