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As estruturas complexas de poder (como o Estado) são criadas pelas sociedades principalmente para conseguir segurança e proteção contra ameaças e fontes de sofrimento que superam a capacidade individual de resistência: agressões externas, violência social, catástrofes naturais, epidemias, colapsos de abastecimento etc. Para que o Estado possa existir e cumprir suas funções, os indivíduos consentem em abrir mão de parcelas da sua liberdade para se submeterem a esse poder instituído sobre eles. Como o Estado não é feito de anjos, nem comandado por santos, mas tripulado por seres humanos de carne e osso, com toda sorte de interesses (alguns genuínos e outros mesquinhos) e todo tipo de conduta (algumas nobres e outras miseráveis), a nação vê-se obrigada a criar mecanismos para limitar, controlar e domar o aparelho estatal quando este, criado para dar segurança e proteção, torna-se uma nova ameaça.

A história da democracia liberal já provou que é necessário um contínuo aperfeiçoamento de métodos e instrumentos que preservem o poder político e suas instituições e, ao mesmo tempo, impeçam que esse poder vá além das suas funções e passe a intrometer-se, de forma indevida, na vida dos indivíduos. Adicionalmente, a sociedade tem a missão (dificílima) de dar um mínimo de eficiência ao aparelho estatal e impedir que os homens que o tripulam se transformem em saqueadores dos recursos do povo. Mensalões, obras superfaturadas, funcionários fantasmas, nomeações secretas, propinas, subornos são algumas das muitas práticas criminosas impregnadas nas estruturas de poder em todos os níveis de governo, que fazem do Estado um monstro frio e perigoso, comprometem o cumprimento das suas funções e o transformam em uma nova ameaça, a somar-se àquelas que ele foi criado para combater. O dilema é: quem controla o Estado para impedir que ele próprio seja uma fonte de sofrimento para os indivíduos que o criaram e o sustentam?

Mas esse Estado, que pode ser um espetáculo de horror moral (corrupto) e de horror econômico (ineficiente), vez por outra é tripulado por dirigentes com vontade mórbida de controlar o que os indivíduos podem e o que não podem fazer. Exemplos de exorbitância inaceitável são: a proibição de uso da internet em Cuba e China, o controle dos e-mails particulares na Venezuela e a insistência com que alguns burocratas tentam amordaçar a imprensa no Brasil.

Outro equívoco é querer atribuir ao Estado funções que ele não consegue executar e nem devem ser de sua competência. O Estado não é Deus. A Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu que "saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não a simples ausência de doença ou enfermidade". Conforme com tal definição, nossa Constituição Federal estabeleceu, no artigo 196, que "a saúde é direito de todos e dever do Estado". É uma má redação, pois o máximo que o poder estatal consegue é aplicar políticas públicas que combatam doenças e minimizem a dor e o sofrimento. O Estado não nasceu para prover a felicidade individual, nem tem os meios de fazê-lo, mesmo porque felicidade é um conceito individual que varia de indivíduo para indivíduo. O Estado não tem como garantir nem a saúde nem a felicidade. O máximo que ele consegue é oferecer orientação, informação, prevenção, atendimento e tratamento das doenças, da dor e do sofrimento. Do jeito que está escrito, o artigo 196 da Constituição permite que alguém processe o governo caso continue doente.

Uma coisa é sermos bondosos e desejarmos que todos vivam com saúde. Outra coisa, ingênua e tonta, é acreditar que o Estado pode garantir isso. Seria o mesmo que obrigar o Estado a garantir a vida e impedir a morte. A maioria não percebe que, ao inserir coisas impossíveis no rol de obrigações do Estado, as quais ele não tem como cumprir, abrimos espaço para que o Estado não cumpra as obrigações para as quais ele foi criado e tem os meios para cumprir. Mesmo não conseguindo nem sequer fazer direito o que é seu papel, o governo (braço executivo do Estado) insiste em exorbitar das suas funções, pois o objetivo dos ocupantes do poder é manter e ampliar o seu poder. Se existe uma revolução a ser feita no mundo é reduzir os níveis de corrupção e de desperdício no setor público. Não haveria nada mais eficaz para levar o Estado o mais próximo possível de ajudar os indivíduos na procura da felicidade e na redução da pobreza.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo

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