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| Foto: Patrick Hertzog/AFP

Encontro de investidores, representantes do setor financeiro e advogados, na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, em Nova York, analisou a reforma trabalhista de nosso país. Conforme foi noticiado na imprensa, os norte-americanos frustraram-se com o fato de nossa legislação continuar proibindo redução de salários, férias sem remuneração, terceirização imediata, sem quarentena, de trabalhadores demitidos e licença-maternidade, além de questionarem as ações judiciais por assédio moral.

Ante as alegações dos participantes do encontro de que nossa lei descaracteriza nossa economia como capitalista, é importante analisar algumas diferenças essenciais entre o Brasil e os Estados Unidos. Quanto à questão da redução do valor nominal dos salários, que a legislação norte-americana permite, há uma questão basilar: lá, considerando o que a legislação federal estabelece como remuneração mínima por hora trabalhada e que lá se trabalha, em média, 34,5 horas por semana, o menor rendimento que um trabalhador recebe é de US$ 1.256 por mês, ou cerca de R$ 3,9 mil. Este valor é três vezes maior do que os R$ 937 do salário mínimo brasileiro, por uma jornada de trabalho que aqui é maior.

O trabalhador norte-americano paga menos impostos, não tem no seu salário todos os descontos existentes aqui e pode fazer uma previdência privada. No orçamento da maioria das famílias brasileiras não há folga para isso. Nosso trabalhador sujeita-se à Previdência Social e ao fator previdenciário, que retira grandes parcelas do que recolheu a vida toda.

Aqui, todos pagam tributos abusivos sem limites. Por isso, não se pode comparar as legislações

Numerosas profissões universitárias hoje em nosso país têm, nos primeiros anos de carreira e, às vezes, até em etapas mais avançadas, remuneração bem inferior ao salário mínimo norte-americano. O patamar salarial no Brasil é mais baixo, e nem poderia ser diferente, considerando a diferença de desenvolvimento, tamanho e dinâmica das duas economias. Aqui, reduzir nominalmente os salários com suporte legal pode significar uma precarização grave do rendimento. Quantos policiais, professores da rede pública, advogados, engenheiros e administradores, dentre outros brasileiros, ganham o equivalente ao mínimo dos Estados Unidos? Cerca de 80% dos brasileiros têm renda familiar per capita mais baixa do que R$ 1,7 mil por mês (segundo o IBGE), ou seja, bem menor que o salário mínimo dos Estados Unidos. Ora, os investidores norte-americanos querem diminuir o quê?

Ante a impossibilidade legal da redução nominal dos salários, os participantes do encontro criticaram a necessidade de quarentena para a terceirização. A rigor, trata-se exatamente da mesma questão. Demitir e terceirizar de imediato o mesmo profissional significa, na prática, diminuição da renda, e num regime jurídico não regido por relações trabalhistas, ou seja, sem direito algum. Quanto às férias remuneradas, norma legal aqui e facultativa lá, também é preciso fazer uma conta para entender a questão. Um trabalhador que ganha o salário mínimo no Brasil recebe R$ 11.244 por ano (12 salários); quem tem o mínimo nos Estados Unidos, descontando um mês de férias, ainda ganharia R$ 43,7 mil no ano (11 salários). Quem tem melhores condições de sair de férias?

No tocante à licença-maternidade, negá-la, em especial num país em desenvolvimento, significaria um retrocesso em todo o movimento pela igualdade de gênero. A mulher não pode ser punida pecuniariamente por ser mãe. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda seis meses de aleitamento materno como alimentação exclusiva das crianças. Outra questão não abordada pelos “investidores frustrados” é que nos Estados Unidos é muito menor, em relação ao Brasil, o número de mulheres-mães arrimos de família. Lá, ademais, o planejamento familiar e a proteção social das jovens, incluindo as possibilidades de contracepção, encontram-se muito mais avançados do que aqui.

Rodrigo Constantino: Conquista trabalhista (27 de abril de 2017)

Leia também:A reforma trabalhista e a desinformação (artigo de Antonio Carlos Aguiar, publicado em 4 de outubro de 2017)

No que se refere aos processos por assédio moral, a observação verificada no encontro de Nova York não procede. A Justiça dos Estados Unidos é implacável com esse tipo de ação. É que isso não aparece nas estatísticas das demandas judiciais trabalhistas, pois os componentes mais comuns do assédio moral – injúria, difamação e constrangimento dos trabalhadores – são matéria penal. Há muito mais rigor lá do que aqui, com processos criminais que tramitam com velocidade. O trabalhador norte-americano é muito mais protegido que o nosso nesse aspecto, e também nos casos de assédio sexual.

O problema maior que temos aqui no Brasil é de natureza política. Aqui, todos pagam tributos abusivos sem limites para manter a máquina funcionando. Por isso, não se pode comparar as legislações. O mais importante é que haja uma condição para que as pessoas possam ter acesso a educação, habitação, segurança e transporte e a uma remuneração mínima capaz de propiciar qualidade de vida.

Nossa reforma trabalhista foi pertinente. O país ainda não atingiu grau de desenvolvimento que possibilite legislação idêntica à de nações desenvolvidas, mas isso não reprime investimentos. Se todos tivessem medo de aportar capital produtivo em nosso país, não estaríamos assistindo à chegada, em plena crise, de instituições de ensino e empresas de distintos setores. Na verdade, o “custo Brasil” tem outros fatores muito mais onerosos do que os recursos humanos...

Reginaldo Gonçalves é coordenador do curso de Ciências Contábeis da Faculdade Santa Marcelina (Fasm).
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