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 | Henry Milleo/Gazeta do Povo
| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

A palavra “consentimento” denota a ação de concordar e conceder aprovação a alguém. Pressupõe, ainda, o conhecimento prévio sobre o que se está consentindo. Ou seja, para consentir, é preciso que os envolvidos saibam exatamente sobre o que estão consentindo e tenham condições intelectuais, sociais, culturais, físicas, econômicas e psicológicas para isso. Este deve ser o centro das discussões sobre o sexting, prática de enviar mensagens de conteúdo erótico e imagens de sexo e nudez por meio de mídias sociais, aplicativos e dispositivos móveis, cada vez mais comum no mundo todo, especialmente entre adolescentes e jovens.

39% dos brasileiros afirmam já ter praticado sexting, segundo a pesquisa Sexting no Brasil, realizada em 2012 pela eCGlobal Solutions, com 1.956 pessoas maiores de 18 anos. A influência de bebidas e outras drogas, o exibicionismo e o entendimento do sexting como parte da relação são os principais motivos apontados pelos entrevistados. Dos que praticam, 75% não consideram o sexting um problema. Mesmo assim, 90% consideram relevante haver ações educativas nas escolas orientando crianças e adolescentes sobre esse fenômeno. Sobretudo em um tempo em que a internet não significa mais apenas um meio para buscar informações, mas um território de relações e de trocas afetivas. O que realmente está em jogo é o consentimento entre as pessoas que o fazem e a privacidade no meio digital.

Mas que condições são dadas para que os adolescentes possam decidir adequadamente sobre suas práticas sexuais? Será que eles entendem os riscos da exposição de si e de seus pares na rede? Quais são as oportunidades que as famílias e as escolas têm oferecido para debater abertamente a sexualidade dos meninos e das meninas? Como exigir dos adolescentes, sujeitos em fase de desenvolvimento, uma postura assertiva, ética e autoprotetiva em relação à própria sexualidade sem que as informações estejam disponíveis em linguagem adequada e acessível? Precisamos falar sobre consentimento, mas também sobre uma educação que possibilite escolhas adequadas sem que haja danos decorrentes de atitudes mal pensadas.

Dos 3,42 bilhões de usuários de internet registrados até 2016, 3,11 bilhões têm perfil em alguma mídia social. A pesquisa Nós, Jovens Brasileiros, realizada pelo Portal Educacional, revela, ainda, que 28% dos adolescentes já encontraram pessoas que conheceram pela rede e outros 20% já tiveram algum envolvimento amoroso pela internet. Essa mesma pesquisa também demonstra que 6% dos entrevistados já apareceram nus ou seminus em fotos na internet, 6% já mostraram partes íntimas do corpo para desconhecidos em uma webcam, e outros 3% já pensaram em fazer essa exibição, mas não a puseram em prática.

Será que os adolescentes entendem os riscos da exposição de si e de seus pares na rede?

Com a expansão de usuários e a melhoria da qualidade de acesso, estes números só tendem a aumentar. Ou seja, trata-se de uma realidade com a qual precisamos nos preparar para lidar, e a melhor forma de fazer isso é por meio do desenvolvimento de uma educação em sexualidade. Ao contrário do que afirma o senso comum, promovê-la desde a infância não significa incentivar práticas sexuais precocemente, mas fornecer informações de qualidade e orientações para o desenvolvimento de uma sexualidade saudável. Do contrário, os números de vítimas decorrentes da divulgação não consentida de fotos ou vídeos íntimos continuarão a crescer.

Entre 2012 e 2016, o Helpline, canal de orientações on-line da Safernet, registrou 797 atendimentos sobre sexting ou exposição íntima na internet. Destes, 587 foram para mulheres e 210 para homens. Além de serem a maioria das vítimas e das solicitantes de apoio na resolução destes casos, as mulheres também são as que mais sofrem. Em uma sociedade que tende a ser mais permissiva em relação à sexualidade masculina, não são raros os casos em que meninas e mulheres têm suas vidas comprometidas por fotos e vídeos vazados na internet. Das situações mais comuns percebidas entre as vítimas está a depressão, a vergonha, o isolamento e, em casos mais extremos, o suicídio.

Como, então, orientar crianças e adolescentes sobre os riscos desta exposição? No site da Safernet há inúmeras dicas que auxiliam pais e educadores sobre como conversar com seus filhos e alunos. Manter um diálogo permanente para conhecer os conteúdos acessados on-line e, assim, poder orientá-los, colocar-se à disposição para conversar sobre os direitos sexuais, respondendo a dúvidas sempre que solicitados, refletir sobre a dimensão pública dos ambientes digitais, reforçando que existem leis que regulam a navegação na internet, promover discussões sobre os limites da intimidade em espaços públicos como a rede, e propor atividades que explorem as fronteiras do corpo de cada um, o que se pode mostrar e o que se deve proteger são algumas das orientações fornecidas.

A Campanha Defenda-se, projeto do Centro Marista de Defesa da Infância sobre a autodefesa de crianças contra a violência sexual, também pode ser utilizada para auxiliar em atividades na escola e dentro de casa. Os vídeos dialogam diretamente com as crianças sobre como podem proteger a própria imagem, não compartilhando fotos ou vídeos na internet, não fornecendo informações a desconhecidos na rede e conhecendo os canais de denúncia em caso de violações dos seus direitos sexuais.

Leia também: Expor-se ou não, eis a questão (artigo de Fernando Misato, publicado em 12 de agosto de 2015)

Com as noções básicas apresentadas pelos vídeos, aumentam as chances de que as crianças identifiquem em seu cotidiano situações de violência sexual na família, na escola e em outros locais que frequentem e relatem o que aconteceu a alguém de confiança. O adulto tem um papel importante nesse processo, mas haverá momentos em que meninos e meninas estarão sozinhos diante destas e de outras situações de violência. Nestes casos, até mesmo para pedir ajuda, a criança precisa ter conhecimento sobre o que está acontecendo para poder agir, desempenhando um papel importante na quebra do ciclo da violência sexual.

Beatriz Caitana e Vinícius Gallon são analistas do Centro Marista de Defesa da Infância.
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