• Carregando...
 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Mais uma vez é retomado o debate sobre a imunidade de impostos conferida às igrejas. Está em tramitação a sugestão legislativa que trata do fim da imunidade tributária de entidades religiosas, conferida pela Constituição Federal no art. 150, inciso VI, alínea “b”. Pelo que se pode observar, o principal argumento daqueles que defendem o fim do benefício é a crença de que a cobrança de impostos sobre igrejas poderia suprimir, ou pelo menos reduzir, desvirtuamentos praticados por meio de algumas destas entidades, como, por exemplo, sua utilização para lavagem de dinheiro. Contudo, é importante ressaltar que, além de haver proibição jurídica para a instituição da cobrança, a medida não gera nenhuma inovação ou benefício na fiscalização tributária sobre igrejas e, por outro lado, prejudicaria o desenvolvimento religioso.

O abuso do benefício tributário por parte de alguns deve ser tratado como exceção à qual se aplica uma punição, e não como a regra

Tributação contra a imoralidade

Consideremos duas situações históricas. A primeira: quando da Proclamação da República no Brasil, em 1889, os positivistas tinham uma preocupação particular: garantir que o governo e o Estado não interferissem no chamado “poder espiritual” (as diversas religiões e igrejas) e nas liberdades de pensamento e expressão.

Leia o artigo do sociólogo Gustavo Biscaia de Lacerda.

Quanto à proibição mencionada, por se tratar a imunidade religiosa de direito individual, que tem por objeto a liberdade de consciência, de crença e o direito de associação, não pode ela ser abolida, por previsão expressa do art. 60, IV da Constituição. Além disso, o Brasil, enquanto Estado laico, não pode estar ligado ou interferir em qualquer religião ou crença. A incidência de impostos sobre as igrejas ou templos limitaria a sua criação e o seu funcionamento e, consequentemente, o exercício dos direitos mencionados.

Quanto à imposição de impostos às entidades religiosas, como forma de supressão de irregularidades cometidas por algumas poucas, o único efeito induvidoso que adviria seria de aumento de arrecadação pelo governo. Isso porque, em primeiro lugar, não há nenhuma certeza de que aqueles que cometem irregularidades por meio dos entes religiosos vão parar de cometê-las simplesmente por causa da cobrança de impostos. Segundo, porque o sistema tributário já permite que as igrejas sejam fiscalizadas. Um exemplo disso é que, mesmo sem pagar imposto sobre a renda, as igrejas são obrigadas a entregar declaração do referido tributo, bem como outras declarações, desde que previsto pela legislação tributária. O correto é que o abuso do benefício tributário religioso por parte de alguns seja tratado como exceção à qual se aplica uma punição, e não como a regra, de forma que todos percam a imunidade.

Importante lembrar que a maioria das igrejas realiza trabalhos sociais importantes, tais como tratamento de viciados ou auxílio a carentes e enfermos, sendo a imunidade religiosa fundamental para o desenvolvimento destas atividades. Sua revogação pode significar a descontinuidade desses trabalhos, especialmente para as organizações religiosas menores.

Como em qualquer outro problema, o método de solução envolve a análise da possibilidade de realização do que se propõe, examinar os prós e contras e, por fim, procurar antever os efeitos que a alteração proposta pode gerar. O exposto nos parágrafos anteriores parece dar argumentos de que, além de não ser possível, são poucos os benefícios provenientes da revogação da imunidade tributária sobre entidades religiosas. Ademais, a solução para evitar desvirtuamentos já existe, que é a fiscalização; basta colocá-la em prática.

Luciano Bernart, doutorando em Direito Tributário pela Universidade de Munique, é vice-presidente executivo da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Amanda Ferraz da Silveira é especializanda em Direito Tributário pela ABDConst.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]