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| Foto: Áurea Cunha/Arquivo Gazeta do Povo

O Ministério das Minas e Energia anunciou a intenção governamental de privatizar a Eletrobras. A justificativa apresentada para essa decisão é a má governança da empresa. Conduzida por indicados de interesses políticos nada republicanos, sua má gestão produz prejuízos que provocam a perda de competitividade das tarifas elétricas. Com a privatização, a gestão da empresa passaria a ser conduzida por critérios estritamente empresariais, eliminando-se os prejuízos milionários que a empresa vem sofrendo nos últimos anos. Em seu anúncio, o governo sinalizou a perspectiva de redução tarifária no médio/longo prazo resultante dos ganhos na eficiência da gestão empresarial privada.

A Eletrobras já havia anunciado sua intenção de privatizar suas subsidiárias de distribuição de energia, fonte de significativas perdas financeiras para a empresa (R$ 6,6 bilhões em 2016). Por outro lado, o Ministério das Minas e Energia havia também lançado consulta pública em que são propostas medidas para a reorganização do mercado elétrico que objetivam mitigar suas ineficiências econômicas que oneram as tarifas elétricas. Entre essas propostas destaca-se a comercialização, a preços de mercado, das cotas de energia das centrais atingidas pela Medida Provisória 579. Nesse novo formato, os 13,9 GW de cotas da Eletrobras, atualmente comercializados a R$ 40/ MWh em média, passariam a ser comercializados entre R$ 150/MWh e R$ 250/MWh. Essa medida aumentaria a receita anual da Eletrobras entre R$ 7,4 bilhões e R$ 12,2 bilhões.

Essas duas medidas por si só seriam suficientes para mudar radicalmente a situação econômico-financeira da Eletrobras, provocando o consequente aumento no valor de suas ações. No entanto, foi o anúncio da privatização da empresa que gerou essa valorização. Como pode ser explicada essa mudança radical no humor do mercado financeiro?

O anúncio da privatização da Eletrobras é de difícil execução no horizonte do governo atual

Uma boa hipótese é que a percepção de seus agentes mudou pelo fato de essas medidas terem deixado o campo da especulação das autoridades do sistema energético para se tornar uma decisão de governo. No entanto, uma análise menos precipitada da proposta de privatização da Eletrobras indica que sua realização será um processo bastante complexo em termos legais, empresariais e econômicos.

A empresa opera como holding de um grande número de outras empresas. Algumas delas, como é o caso de Itaipu e da Eletronuclear, exigirão mudanças legais significativas para que possam vir a ser privatizadas. Em outras, a Eletrobras é sócia minoritária de centrais hidrelétricas (Belo Monte, Santo Antônio, Jirau), que exigirão minuciosas avaliações econômicas e patrimoniais individualizadas antes de sua privatização. Mais ainda: suas subsidiárias são proprietárias de extenso sistema de transmissão e operam a maior parte da capacidade dos reservatórios de água que garantem a confiabilidade do suprimento de energia do país.

A operação adequada desses reservatórios é fator determinante na segurança do abastecimento de água da população urbana e da produção agropecuária. É impensável a privatização desses ativos sem que o Estado possa exercer um controle significativo de sua operação. Traduzindo em poucas palavras, será necessário atravessar um longo período de debate legislativo antes da efetivação da proposta de privatização da Eletrobras.

Leia também:A privatização da Eletrobras (editorial de 24 de agosto de 2017)

Nossas convicções: Livre iniciativa

Permanecem, no entanto, as propostas de privatização das distribuidoras e a comercialização das cotas de energia a preços de mercado. Há um razoável consenso de que essas duas medidas são adequadas. Contudo, é preciso reconhecer que elas terão impactos econômicos bastante significativos. No caso da privatização das distribuidoras, os efeitos ficarão limitados aos estados da Região Norte do país. No entanto, a mudança na regra de comercialização de energia afetará toda a economia nacional.

A Aneel estima que, implantada essa medida, as tarifas dos consumidores terão de ser reajustadas em algo entre 2,3% e 16,7%, dependendo do novo patamar de preço de comercialização e da composição dos contratos de energia das concessionárias. Os consumidores residenciais, o pequeno comércio e a pequena indústria serão os segmentos da sociedade mais penalizados com esses aumentos tarifários. Os efeitos deletérios dessa mudança sobre o nível da atividade econômica serão significativos, o que explica ter sido descartada a sua adoção imediata pelo ministro Henrique Meirelles.

Em resumo, o anúncio da privatização da Eletrobras é de difícil execução no horizonte do governo atual. Ele deve ser interpretado como apenas um factoide de um governo que necessita sugerir ao mercado financeiro que está disposto a atender suas demandas, ainda que muitas delas sejam de difícil aceitação social.

Adilson de Oliveira é professor do Instituto de Economia e membro do Conselho Curador da UFRJ.
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