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Para permanecer, a Constituição tem de mudar. A fim de assegurar a sua permanência no tempo, a própria Constituição estabelece um complexo sistema normativo de alteração do seu texto para acompanhar a dinâmica histórica social.

É a própria literalidade constitucional originária que dá a latitude dessa competência constitucional de reforma. Do ponto de vista formal, há procedimento específico que há de ser mais complexo do que aquele destinado às legislações ordinárias. Há, adicionalmente, demarcações circunstanciais que se referem a situações anormais nas quais não se poderá emendar a Constituição, tais como o estado de sítio, o estado de defesa ou intervenção federal. Por fim, subsiste, ainda, impedimento em determinados assuntos que não serão postos em deliberação pela via da emenda constitucional. São as chamadas cláusulas pétreas ou núcleo de dureza da Constituição.

Essas cláusulas de intangibilidade materiais servem para proteger o espírito da Constituição. Prestam-se, destarte, à defesa da democracia constitucional como espécie de reserva mínima do sistema constitucional contra o efeito nefasto de maiorias oportunistas.

A persistência integral do texto constitucional no tempo, com toda a sua força normativa, é a benfeitoria maior que se quer resguardar

Do ponto de vista material, prefixa o artigo 60, § 4.º, que a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa do Estado; o voto direito, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes; e os direitos e garantias individuais não será objeto de deliberação. A questão que se coloca é de que modo interpretar tal dispositivo constitucional. A leitura mais consentânea com o sistema constitucional propõe ir além da literalidade, em postura que poderia ser denominada de mais garantista.

Para além das garantias explícitas, portanto, formalizadas no artigo 60, § 4.º, identificar-se-ia, ainda, um conjunto de princípios não escritos que servem de fundamento à Constituição e, portanto, também limites às emendas constitucionais. A título de exemplo, cite-se: a soberania popular e sua titularidade intransferível; as regras atinentes à reforma da Constituição (afinal, se a emenda puder mudar seu próprio procedimento, torna-se onipotente); os direitos humanos e fundamentais.

Aliás, sobre os direitos fundamentais cabe uma nota importante. O texto constitucional optou pela expressão “direitos e garantias individuais” ao abordar o núcleo de dureza. Trata-se de expressão não muito feliz, fruto da pulverização dos trabalhos constituintes. Melhor seria ler, como já se pronunciou sobre o tema o Supremo Tribunal Federal, “direitos fundamentais” no lugar. Certo é que, independentemente da tipologia, constituem cláusulas pétreas todos os direitos que assegurem o mínimo existencial a uma vida digna.

Tais limitações são restrições que se projetam para o futuro a fim de evitar mudanças constitucionais ao sabor das paixões com vistas a obter benefícios imediatos. A persistência integral do texto constitucional no tempo, com toda a sua força normativa, é a benfeitoria maior que se quer resguardar. Nas palavras de Hesse: “Todos os interesses momentâneos – ainda quando realizados – não logram compensar o incalculável ganho resultante do comprovado respeito à Constituição, sobretudo naquelas situações em que a sua observância revela-se incômoda”.

Melina Girardi Fachin, mestre e doutora em Direito Constitucional, é visiting researcher da Harvard Law School, professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro do Conselho Permanente de Direitos Humanos do Estado do Paraná e da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PR.
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