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O sistema educacional brasileiro é como um edifício gigantesco, cujas estruturas foram corroídas de alto a baixo por cupins ideológicos. De vez em quando, desaba uma parede ou uma laje, e o estrondo acaba chamando a atenção do grande público.

O último desabamento foi provocado pela proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Dias atrás, o historiador Marco Antonio Villa demonstrou, em artigo publicado no jornal O Globo, que, se a proposta do MEC for aprovada, os estudantes brasileiros que quiserem aprender alguma coisa sobre o antigo Egito, a Mesopotâmia e a Grécia; o Império Romano e o nascimento do cristianismo; a Idade Média, o Renascimento, a Revolução Industrial e até mesmo a Revolução Francesa serão obrigados a se virar por conta própria. Na sala de aula, terão de estudar os mundos ameríndios, africanos e afrobrasileiros; interpretar os movimentos sociais negros e quilombolas; valorizar e promover o respeito às culturas africanas e afroamericanas. É um assombro.

Menos comentada, mas não menos importante, é a presença da famigerada ideologia de gênero. Como já se adivinhava, a perspectiva de gênero – cuja inclusão, nos planos de educação, foi rejeitada de maneira veemente pela quase totalidade das nossas casas legislativas – atravessa toda a proposta do MEC.

O futuro da educação brasileira será decidido por duas dúzias de professores e burocratas nomeados pelo governo do PT

Mas não é disso que se vai tratar neste artigo. O que nos interessa, aqui, é saber a quem cabe aprovar tal proposta.

A existência da BNCC está prevista na Constituição, desde 1988; e na LDB, desde 1996. Só em 2014, porém, o Congresso resolveu tirá-la do papel; e, ao fazê-lo, determinou que uma proposta, elaborada pelo MEC, fosse encaminhada ao Conselho Nacional de Educação (CNE). Portanto, é a esse órgão do Poder Executivo, composto por 24 integrantes nomeados pelo presidente da República, que caberá a palavra final sobre a BNCC. Ou seja: o futuro da educação brasileira será decidido por duas dúzias de professores e burocratas nomeados pelo governo do PT.

Ora, por mais ilibada que seja a reputação desses conselheiros e relevantes os serviços por eles prestados à educação – no juízo de quem os nomeou, obviamente –, a atribuição desse poder descomunal ao CNE definitivamente não combina com as noções mais elementares de autogoverno e democracia.

A quem prestam contas esses servidores, afinal? Ao povo que não é; ou não teriam emitido, no ano passado, uma nota pública de censura endereçada às assembleias legislativas e às câmaras de vereadores – e, implicitamente, também ao Congresso Nacional – por haverem excluído a ideologia de gênero dos planos estaduais e municipais de educação; nem declarado, na mesma nota, em tom de desafio, que as Diretrizes Nacionais de Educação, a serem por eles elaboradas, estarão “voltadas para o respeito à diversidade, à orientação sexual e à identidade de gênero” – donde se conclui, senhores deputados e senadores, que, se depender do CNE, “vai ter gênero” na BNCC.

Não é possível que seja assim. Numa democracia, se alguém deve ter o poder de decidir o que é que dezenas de milhões de indivíduos serão obrigados a estudar ao longo da sua vida escolar, que seja o parlamento, e não um punhado de agentes públicos indicados pelo chefe do Executivo. Cabe, pois, ao Congresso Nacional chamar a si, o quanto antes, essa imensa e histórica responsabilidade.

Miguel Nagib é presidente da Associação Escola sem Partido.
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