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O Congresso Nacional é uma Casa de interesses. Não há dúvida nesse ponto. Por isso mesmo deveria refletir o pensamento da maioria da população que foi às ruas defender uma reforma política verdadeira e com bases fortes nos princípios da ética e da transparência. Não foi o que se viu durante a votação do primeiro turno das propostas de emendas constitucionais que tratam do assunto na Câmara dos Deputados. Guiados por interesses pessoais, paroquiais ou exclusivamente partidários, desconsiderando o anseio da sociedade, a maioria dos parlamentares construiu uma farsa.

Trata-se de uma reforma tímida, centrada na manutenção do statu quo e incapaz de promover melhorias significativas no sistema político-eleitoral do país. E, o que é pior, em vários pontos os atuais ocupantes de mandato legislaram descaradamente em causa própria, aumentando seus privilégios e tornando ainda mais perverso o sistema de financiamento de campanha, principal chaga que alimenta a corrupção no país.

Pelo texto aprovado na Câmara, o financiamento privado continua e irá diretamente para os caixas dos partidos, que repassarão os recursos para os candidatos que escolherem. Os gastos de campanha continuam sem qualquer tipo de limite. Essa prática está na gênese de escândalos como o mensalão e o petrolão.

Perdemos a grande chance de aprovar o voto distrital misto

Nós, do PPS, votamos contra essa prática. Nossa proposta sempre foi o financiamento público de campanha, com a permissão de doações apenas de pessoas físicas – e, mesmo assim, com um teto, inicialmente fixado em R$ 4 mil. Mas, pelo que se viu, a grande parte dos parlamentares não abre mão da influência direta do poder econômico nas eleições. A situação representa mais um golpe contra uma disputa justa e ética nas eleições.

Outro ponto incompreensível e vergonhoso da reforma foi o aumento dos mandatos de praticamente todos os cargos eletivos. Com a desculpa de terem aprovado o fim da reeleição para prefeitos, governadores e presidente da República, um dos poucos pontos positivos da reforma, os parlamentares ampliaram os mandatos para cinco anos. Para eles e para si mesmos. E tudo aconteceu numa votação sem a mínima lógica, já que a alteração de mandatos só seria concebível se fosse aprovada a unificação de todas as eleições, o que, por uma margem mínima, felizmente não ocorreu.

Uma reforma de verdade exige rupturas e coragem. Qualidades que, pelo que estamos vendo, não são exibidas pela maioria de um Congresso que vem se mostrando um dos mais conservadores dos últimos tempos. Temos uma Câmara que chegou ao cúmulo de colocar em votação, de última hora, uma proposta que permitia a uma pessoa disputar dois cargos ao mesmo tempo na mesma eleição. Ideia tão fora de lugar que foi rejeitada por aqueles que, diante do extremo absurdo, recuperam o mínimo de decência na vida pública.

Até o momento assistimos a uma reforma dos próprios interesses. Perdemos a grande chance de aprovar o voto distrital misto, aquele que dá ao eleitor o direito de votar duas vezes para deputados e vereadores. Ele escolhe o seu candidato e o partido que mais o representa. A Câmara também abriu mão de aprovar o voto facultativo e manteve o eleitor sob uma obrigação legal que não faz mais sentido. As coligações nas eleições proporcionais, aquela sopa de letrinhas que faz a pessoa votar num candidato e eleger outro, também continuam.

Apesar do cenário desolador, ainda resta uma esperança. Para entrar em vigor, a reforma ainda precisa ser votada em segundo turno pela Câmara e mais duas vezes no Senado, restando ainda, em caso de mudança, mais uma votação na primeira Casa. Se a sociedade se mobilizar, se cobrar um posicionamento altivo de seus representantes, ainda podemos reverter esse jogo em prol do interesse principal de uma reforma de verdade: o interesse do cidadão.

Rubens Bueno é deputado federal pelo Paraná e líder do PPS na Câmara dos Deputados.
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